sexta-feira, 16 de maio de 2025

“AINDA QUE EU ANDE PELO VALE DA SOMBRA DA MORTE”


“AINDA QUE EU ANDE PELO VALE DA SOMBRA DA MORTE”

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam” (Sl 23.4).

Os verdadeiros crentes, ainda que habitem seguros sob a proteção de Deus, estão, não obstante, expostos a muitos perigos, ou, melhor, são passíveis de todo gênero de aflições que sobrevêm à humanidade em comum, para que eles possam melhor sentir o quanto necessitam da proteção divina. Davi, pois, neste ponto, expressamente declara que, se alguma adversidade lhe sobreviesse, ele se protegeria na providência divina. E assim ele não promete a si mesmo buscar apoio nos prazeres contínuos [e terrenos], senão que se fortifica, através do socorro divino, corajosamente a fim de suportar as diversas calamidades que porventura o visitassem. Prosseguindo sua metáfora, ele compara o cuidado que Deus assume ao governar os verdadeiros crentes com o bordão e o cajado do pastor, declarando que está satisfeito com isso como sobejamente satisfatório à proteção de sua vida. Como uma ovelha, quando vagueia e atravessa um vale escuro, é preservada imune dos ataques das feras selvagens e de outras formas de males, tão-somente mediante a presença do pastor, assim Davi ora declara que enquanto estiver exposto a algum perigo, contará com suficiente defesa e proteção, estando sob o cuidado pastoral de Deus.

E assim vemos como, em sua prosperidade, ele nunca esquecia que era um ser humano, mas, mesmo assim, oportunamente meditava sobre as adversidades que mais tarde poderiam lhe sobrevir. E com toda certeza, a razão por que nos sentimos tão terrificados quando Deus se agrada em exercitar-nos com a cruz é porque toda pessoa, para que durma profunda e tranquilamente, se abriga totalmente na segurança carnal. Mas há uma grande diferença entre esse sono do estúpido e o repouso que a fé produz. Visto que Deus prova a fé pela adversidade, segue-se que ninguém realmente confia em Deus, senão aquele que se arma com invencível constância para resistir todos os medos com que é assaltado. Contudo Davi não quis dizer que estava destituído de todo medo, mas apenas que o superaria para então prosseguir sem medo sempre que seu pastor o guiasse. Isso transparece mais claramente à luz do contexto. Ele diz, em primeiro lugar, não temerei mal algum; mas imediatamente acrescenta a razão disso, ou seja, publicamente reconhece que busca um antídoto contra seu medo ao contemplar e ao ter seus olhos fixos na vara de seu pastor: Porque o teu bordão e o teu cajado me consolam. Que necessidade teria ele dessa consolação, não fosse o fato de sentir-se inquieto e agitado pelo medo? Deve, pois, ter-se em mente que, quando Davi refletiu sobre as adversidades que poderiam lhe sobrevir, tornou-se vitorioso sobre o medo e as tentações, e não de outra forma senão lançando-se sob a proteção divina. Isso ele havia também afirmado antes, embora um tanto obscuramente, nestas palavras: Porque tu estás comigo. Isso subentende que ele fora afligido com o medo. Não houvera sido esse o caso, com que propósito desejaria ele a presença de Deus? Além disso, não é só contra as calamidades comuns e ordinárias da vida que ele opõe a proteção divina, mas também contra aqueles que distraem e confundem as mentes humanas com as trevas da morte. Por sombra da morte, uma palavra composta, é como se dissesse: sombra mortal. Davi, neste ponto, faz uma alusão aos recessos ou covas escuras de animais selvagens, das quais, se alguém se aproxima, é subitamente dominado, logo na entrada, pela preocupação e pelo medo da morte. Ora, visto que, na pessoa de seu unigénito Filho, Deus tem se revelado como nosso Pastor, muito mais claramente do que o fez nos tempos antigos a nossos pais que viveram sob o regime da lei, não haveremos rendido suficiente honra ao seu protetor cuidado, caso não ergamos nossos olhos para mirá-lo e conservá-los fixos nele, pisoteando todos os temores e terrores sob a planta de nossos pés.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Faça-nos a oferta (Chave Pix - 083.620.762-91).

*Visite uma Igreja Presbiteriana do Brasil - Curitiba(PR).

Nenhum comentário:

Postar um comentário