“O APÓSTOLO LADRÃO – Parte 2
“Então, Maria,
tomando uma libra de bálsamo de nardo puro, mui precioso, ungiu os pés de Jesus
e os enxugou com os seus cabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do
bálsamo. Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, o que estava para
traí-lo, disse: Por que não se vendeu este perfume por trezentos denários e não
se deu aos pobres? Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas
porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava” (Jo 12.3-6).
“E encheu-se
toda a casa com o perfume do bálsamo”. Em seguida vem a queixa de Judas, a qual
Mateus [26.8] atribui indiscriminadamente aos discípulos, e Marcos [14.4], a algum
dentre eles. Mas é costumeiro nas Escrituras aplicar-se a muitos, valendo-se de
uma metonímia, o que pertence a um ou a uns poucos. Quanto a mim, porém, penso
ser provável que a censura tenha procedido somente de Judas, e que os demais se
deixaram induzir, dando-lhe seu assentimento, porquanto os murmuradores, bafejando
uma chama, facilmente acendem em nós uma variedade de disposições. E, mais
especificamente, visto que somos extremamente propensos a formar juízos
desfavoráveis, as calúnias prontamente nos influenciam. Mas a credulidade que o
Espírito de Deus reprova nos apóstolos constitui uma advertência para não nos deixarmos,
tão facilmente e com tanta credulidade, dar ouvidos às declarações caluniosas.
Os demais
apóstolos, não movidos de má disposição, porém irrefletidamente, condenaram Maria.
Judas, porém, recorre a um plausível expediente em prol de sua impiedade, ao
pôr os pobres em evidência, a
despeito de não nutrir qualquer preocupação por eles. Por esse exemplo somos
instruídos sobre o desejo de possuir algo que nutre uma predisposição tão horrível: a
perda daquilo que Judas vê esboçar-se sem uma oportunidade de roubá-lo o incita
a uma fúria tal, que não hesita em trair Cristo. E, provavelmente, no que ele
disse sobre os pobres sendo defraudados, não só fala falsamente a outros, mas
igualmente se vangloriava intimamente, como os hipócritas costumam fazer; como
se o ato de trair a Cristo fosse um erro trivial, pelo qual se esforçava em
obter compensação pela perda que sofrera. Aliás, ele tinha apenas uma razão
para trair a Cristo: recuperar de alguma forma aquilo que deixara escapar de
suas mãos, pois foi a indignação inflamada nele, ante o lucro que perdera, que
o levou a fomentar o desígnio de trair a Cristo.
É surpreendente
que Cristo houvera escolhido, como tesoureiro, uma pessoa desse gênero, a qual
ele bem sabia ser um ladrão. Pois que
outro desígnio havia senão o de pôr em suas mãos uma corda para se estrangular?
Um mero mortal não pode dar nenhuma outra resposta além desta: que os juízos
divinos são um abismo profundo. No entanto, a ação de Cristo não deve ser vista
como uma regra ordinária para confiarmos o cuidado dos pobres, ou qualquer
coisa sacra, a uma pessoa perversa e ímpia. Porquanto Deus estabeleceu uma lei
aos que forem chamados a governar a Igreja e a outros ofícios e a essa lei não
temos a liberdade de violar. Com Cristo o caso era bem outro: sendo ele a
Sabedoria de Deus, propiciou uma oportunidade, em sua predestinação secreta, na
pessoa de Judas.
Deus nos abençoe!
João
Calvino (1509-1564).
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