“A PALAVRA DE VITÓRIA”
“E, quando Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado” (Jo 19.30).
Nossos dois últimos estudos se ocuparam com a
tragédia da cruz; porém, voltamo-nos agora para o seu triunfo. Nestas
palavras, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” ouvimos o brado
de desolação do Salvador; em “Tenho sede”, escutamos seu
clamor de lamentação; agora, chega aos nossos ouvidos seu
brado de júbilo — “Está consumado”. Das palavras da vítima
voltamo-nos agora às palavras do conquistador. Um provérbio diz que toda nuvem
tem seu interior prateado: deu-se assim com a mais escura de todas as nuvens. A
cruz de Cristo tem dois grandes lados: ela mostrou a grande profundidade de sua
humilhação, mas também assinalou o objetivo da Encarnação, e mais, falou da
consumação de sua missão, e forma ela a base de nossa salvação.
“Está consumado”. Os antigos gregos orgulhavam-se de serem capazes de
dizer muita coisa falando pouco — “dar um mar de assunto em uma gota de
linguagem” era tido como a perfeição em oratória. O que eles buscavam é
encontrado aqui. “Está consumado”, no original, é apenas uma palavra, todavia,
nessa palavra está contido o evangelho de Deus; nessa palavra está contido o
fundamento da segurança do crente; nessa palavra é descoberta a essência de
todo gozo, bem como o próprio espírito de toda consolação divina.
“Está consumado”. Isso não foi o grito de desespero de um mártir
desamparado; não foi uma expressão de satisfação pelo término de seus
sofrimentos haver então chegado; não foi o último suspiro de uma vida que se
findava. Não, antes foi a declaração da parte do divino Redentor de que tudo
pelo qual ele viera do céu à terra para fazer, estava agora feito; que tudo que
era necessário para revelar o completo caráter de Deus agora se tinha
concluído; que tudo que era requerido pela lei antes que os pecadores pudessem
ser salvos tinha agora sido realizado: que o preço da nossa escravidão foi pago
para a nossa redenção.
“Está consumado”. O grande propósito divino na história do homem era
agora efetuado — efetuado de jure tanto quanto ainda o
será de facto. Desde o princípio, a intenção de Deus foi
sempre uma e indivisível. Foi declarada aos homens de várias maneiras: em
símbolo e tipo, por misteriosos sinais e por claras sugestões, mediante
predição messiânica e mediante declaração didática. Esse seu propósito pode ser
assim resumido: mostrar sua graça e engrandecer seu Filho criando filhos a sua
própria imagem e glória. E na cruz o fundamento que foi posto era para que isso
se tornasse possível e real.
“Está consumado”. O que está consumado? A resposta a tal questão é uma
resposta mui abundante de significado, ainda que vários excelentes expositores
procurem limitar o escopo de tais palavras e confiná-las estritamente a uma
única aplicação. É-nos dito que foram consumadas as profecias que
diziam respeito aos sofrimentos do Salvador, e que ele se referia apenas a
isso. Admite-se de pronto que a referência imediata era às
predições messiânicas, todavia, pensamos que há razões boas e suficientes
para não confinar as palavras de nosso Senhor a elas. Sim,
para nós parece certo que Cristo se referia especialmente à sua obra
sacrificial, pois toda escritura acerca de seu sofrimento e
vergonha não estava cumprida. Ainda restava entregar seu
espírito nas mãos do Pai (Sl 31.5); ainda restava o “traspassar” com a lança
(Zc 12.10: e repare que a palavra utilizada para o traspassar de suas mãos e
pés — o ato de crucificação — no Sl 22.16 é diferente); ainda
restava serem seus ossos preservados sem quebra (Sl 34.20), e o enterro no
sepulcro do homem rico (Is 53.9).
“Está consumado”. O que estava consumado? Respondemos,
sua obra sacrificial. É verdade que havia ainda o ato da própria morte, que era
necessária para fazer a expiação. Porém, como se dá frequentemente no Evangelho
de João — onde se encontra nosso texto — (cf. Jo 12.23,31; 13.31; 16.5; 17.4),
o Senhor fala aqui antecipadamente da conclusão de sua obra.
Além disso, deve ser lembrado que as três horas de trevas já haviam passado, o
terrível cálice já havia sido sorvido até à última gota, seu precioso sangue já
tinha sido vertido, a ira divina derramada já havia sido suportada; e esses são
os principais elementos para se fazer a propiciação. A obra sacrificial do
Salvador, então, estava completada, com exceção apenas do ato de morte que se
seguiu imediatamente.
Deus nos abençoe!
Arthur W. Pink (1886-1952).
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