“SIM, DEVERAS CONSIDERO TUDO COMO PERDA”
“Sim, deveras
considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como
refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que
procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de
Deus, baseada na fé” (Fp 3.8,9).
O apóstolo Paulo
enaltece o evangelho em oposição a todas as noções que tendem a nos distrair.
Pois há muitas coisas que possuem aparência de excelência, mas o conhecimento
de Cristo ultrapassa tudo mais, a um grau tal, por sua sublimidade, que, quando
se faz uma comparação, nada existe que não seja desprezível. Portanto,
aprendamos disto que [grande] valor devemos depositar no conhecimento de Cristo
somente. Quanto ao fato de o chamar, meu Senhor, ele faz isso para expressar a
intensidade de seu sentimento.
Por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como
refugo. Paulo diz mais do que fizera previamente;
pelo menos, ele se expressa com mais precisão. É uma analogia tomada dos
marinheiros que, quando se veem em perigo iminente de naufrágio, lançam tudo
para fora, para que, sendo o navio aliviado, cheguem no porto em segurança.
Paulo, pois, estava preparado a perder tudo que possuía, antes que ser privado
de Cristo.
Pergunta-se,
porém, se nos é necessário renunciar às riquezas, às honras, à nobreza de
origem, e até mesmo à justiça externa, para que nos tornemos participantes de
Cristo [Hb 3.14], pois todas essas coisas são dons de Deus, as quais, por si
sós, não devem ser desprezadas. Respondo que o apóstolo aqui não fala tanto das
coisas em si mesmas, quanto da qualidade delas. Claro, é verdade que o reino do
céu se assemelha a uma pérola preciosa, por cuja aquisição ninguém hesitaria em
vender tudo o que possui [Mt 13.46]. Não obstante, há certa diferença entre a
substância das coisas e a qualidade. Paulo não achou necessário renegar a
conexão com sua própria tribo e com a raça de Abraão, e tomar-se um alienado, a
fim de se fazer cristão; mas sim renunciar à dependência dessa sua ascendência.
Não era conveniente que, de casto ele viesse a ser incontinente; de sóbrio ele
viesse a ser intemperante; e de respeitável e honrado viesse a ser dissoluto;
senão que se despisse de uma falsa estima de sua justiça pessoal e a tratasse
com desprezo. Nós também, quando tratamos da justiça da fé, não contendemos
contra a substância das obras, e sim contra aquela qualidade com que os
sofistas as investem, visto que contendem que os homens são justificados por
elas. Paulo, pois, se despiu, não das obras, mas daquela equivocada confiança
depositada nas obras, com que se ensoberbecia.
Quanto a
riquezas e honras, assim que nos despimos de nosso apego a elas, então nos
preparamos também para renunciar às próprias coisas, sempre que o Senhor
demandar isto de nós, e assim suceder. Não é expressamente necessário que
sejamos pobres a fim de podermos ser cristãos; mas, se ao Senhor aprouver que o
sejamos, então devemos estar preparados a suportar a pobreza. Enfim, não é
lícito aos cristãos possuir algo à parte de Cristo. Considero como à parte de
Cristo tudo quanto se constitui em obstáculo à glória exclusiva e ao senhorio
completo de Cristo sobre nós.
Deus nos
abençoe!
João
Calvino (1509-1564).
*Visite a Igreja Presbiteriana do Brasil - Curitiba(PR).

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