“O Vingador
da Perversidade”
“Pois tu não és Deus que tem prazer na iniquidade, e
contigo não habita o mal. Os insensatos não permanecerão em tua presença; tu odeias
a tantos quantos cometem iniquidade. Tu destróis os que falam falsidade; o SENHOR
abominará o sanguinário e o fraudulento”(Sl 5.4-6).
Aqui, Davi toma a malícia e
a perversidade de seus inimigos como argumento para corroborar sua oração na qual
busca o favor divino para sua proteção. A linguagem é deveras abrupta, como os
santos em oração às vezes gaguejam; mas tal gagueira é mais aceitável aos olhos
de Deus do que todas as figuras de retórica, embora sejam por demais refinadas
e brilhantes. Além disso, o grande propósito que Davi tem em vista é mostrar
que, embora a crueldade e traição de seus inimigos houvera alcançado seu ponto
máximo, era impossível que Deus não os detivesse logo em seu caminho. Sua
ponderação tem por base a natureza de Deus. Já que a justiça e o comportamento
reto são o seu prazer, Davi, à luz desse fato, conclui que Deus tomará vingança
de todos os injustos e perversos. E como seria possível que escapassem de suas
mãos impunemente sendo ele o Juiz do mundo? Esta passagem é digna de nossa mais
especial atenção. Pois temos experiência de quão intensamente somos
desencorajados pela desmedida insolência dos perversos. Se Deus não a refreasse
imediatamente, ou éramos entorpecidos e desanimados, ou lançados em total desespero.
Davi, porém, à luz desse fato, antes encontra razão para ânimo e confiança.
Quanto maior era a ilegalidade com que seus inimigos agiam contra ele, mais
intensamente ele suplica pela preservação provinda de Deus, cuja função é
destruir todos os perversos, porquanto ele odeia toda e qualquer perversidade.
Que todos os santos, pois, aprendam quão amiúde
têm que combater a violência, a fraude, a injustiça, elevando seus pensamentos
a Deus a fim de se animarem com a inabalável esperança de livramento, segundo
também Paulo os exorta em 2Tessalonicenses 1.5: “sinal evidente”, diz ele, “do
reto juízo de Deus, para que sejais considerados dignos do reino de Deus, pelo
qual, com efeito, estais sofrendo”. E seguramente não seria ele o juiz do mundo
se não houvera guardado consigo em depósito uma retribuição destinada a todos
os ímpios. O único uso, pois, que se pode fazer desta doutrina é o seguinte: ao
vermos os perversos entregando-se às suas luxúrias, e, consequentemente, ao
duvidarmos secretamente em nossas mentes se é verdade que Deus cuida de nós,
aprendamos a satisfazer-nos com a consideração de que Deus, que odeia e abomina
toda iniquidade, não permitirá que eles escapem à punição; e embora os tolere
por algum tempo, finalmente se assentará em seu tribunal e revelará sua
vingança e que ele é o protetor e defensor de seu povo. Ainda podemos inferir
desta passagem a doutrina comum de que Deus, embora opere pela
instrumentalidade de Satanás e dos ímpios, e faz uso da malícia deles para a
execução de seus juízos, nem por isso é ele Autor do pecado, nem tem nele
prazer, porquanto o fim que ele propõe é sempre justo; e com razão condena e
pune aos que, por sua misteriosa providência, são dirigidos por onde quer que
lhe apraz.
No quarto versículo, Davi
declara que não há acordo entre Deus e a injustiça. Imediatamente a seguir ele
prossegue falando dos próprios homens, dizendo: os insensatos não permanecerão em tua presença; e esta é uma
inferência muito justa, ou seja, que a iniquidade é algo odioso a Deus, e que,
portanto, ele executará justo castigo sobre todos os perversos. Ele os chama de
insensatos, segundo um uso frequente
do termo na Escritura, os quais, impelidos por cega paixão, mergulham de cabeça
no pecado. Nada é mais insensato do que para o ímpio rejeitar o temor de Deus e
nutrir o desejo de fazer da injúria seu princípio diretor; sim, não há pior
loucura do que desprezar a Deus sem a influência de quem os homens pervertem
todo o direito. Davi põe esta verdade diante de seus olhos para seu próprio
conforto; nós, porém, podemos também extrair dela doutrina muito útil para
exercitar-nos no temor de Deus; pois o Espírito Santo, ao declarar Deus como o
vingador da perversidade, nos põe um freio para reprimir-nos de vivermos em
pecado, na vã esperança de escaparmos impunemente.
João Calvino (1509-1564).
*Comentário do Livro dos Salmos, Edições Paracletos.
*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba/PR.
Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário.
(41)3242-8375
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