“BASEADOS NO QUAL CLAMAMOS: ABA, PAI”
“Porque não recebestes
o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas
recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15).
O apóstolo Paulo
alterou a pessoa [singular para o plural] com o fim de expressar a sorte comum
de todos os santos. Eis o que ele quer dizer: “Recebestes o Espírito, através
de quem vós e todo o restante de nós, crentes, clamamos...”. A imitação da
linguagem usada por um filho a seu pai é muito enfática, visto que o apóstolo
usa a palavra Pai em relação a todos
os crentes. A repetição do título, empregando termos diferentes, tem um caráter
ampliativo. O que o apóstolo pretende é que a misericórdia divina tornou-se
disseminada pelo mundo todo, numa extensão tal que, como observa Agostinho,
Deus chegou a ser louvado em todas as línguas, sem qualquer distinção. O
objetivo de Paulo, pois, era expressar o consenso existente entre todas as
nações. Segue-se disto que não há agora nenhuma diferença entre judeus e
gregos, visto que ambos se têm desenvolvido lado a lado. O profeta Isaías diz
algo distinto quando declara que a língua de Canaã seria comum a todos os povos
[Is19.18]. O significado, contudo, é o mesmo. Ele não refere formas externas de
linguagem, e, sim, harmonia em professar seu culto genuíno e puro. O verbo clamar é usado para expressar confiança;
como a dizer: “Nossa oração não expressa dúvida, senão que ergue ao céu um
brando confiante”.
Os crentes também
chamam Deus de Pai sob o regime da
lei, porém não com esta confiança tão espontânea, visto que o véu os mantinha
fora do santuário. Mas agora, quando a entrada já nos foi amplamente aberta
pelo sangue de Cristo, podemos dar glória de maneira familiar e em voz altissonante, anunciando que somos filhos de Deus. Daí a razão desse grito. E a
profecia de Oséias é assim também cumprida: “Semearei Israel para mim na terra,
e compadecer-me-ei da Desfavorecida; e a Não-meu-povo, direi: Tu és o meu povo;
e ele dirá: Tu és o meu Deus!” [Os 2.23]. A promessa mais evidente contudo
consiste em que maior será nossa liberdade na oração.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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