“MAS RECEBESTES O ESPÍRITO DE
ADOÇÃO”
“Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra
vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual
clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15).
Ainda que o pacto
da graça se acha contido na lei, não obstante Paulo o remove de lá; porque, ao
contrastar o evangelho com a lei, ele leva em consideração somente o que fora
peculiar à lei em si mesma, ou seja: a ordenança e a proibição, refreando
assim os transgressores com ameaça de morte. Ele atribui à lei suas próprias
qualificações, mediante as quais ela difere do evangelho. Contudo, pode-se
preferir a seguinte afirmação: “Ele só apresenta a lei no sentido em que Deus,
nela, se pactua conosco em relação às obras”. Portanto, nossa opinião no
tocante a pessoas seria: “Quando a lei foi promulgada no seio do povo judeu, e
mesmo depois de ser promulgada, os crentes foram iluminados pelo mesmo Espírito
de fé. Assim a esperança da herança eterna, da qual o Espírito é penhor e selo,
foi selada em seus corações. A única diferença é que o Espírito é mais profusa
e liberalmente derramado no reino de Cristo”. Entretanto, se considerarmos a
própria administração da doutrina, perceberemos que a salvação foi primeiro revelada
de forma plena quando Cristo manifestou-se em carne, tão profunda era a
obscuridade em que todas as coisas se achavam envolvidas no período do Velho
Testamento, quando comparado com a clara luz do evangelho.
Finalmente, a lei,
considerada em si mesma, outra coisa não pode fazer senão cegar aos que se
acham sujeitos à sua desgraçada servidão, dominados pelo horror da morte, visto
que ela não promete nada senão sob condições, e só pronuncia morte a todos os
transgressores. Portanto, enquanto que sob a lei se achava o espírito de
servidão, o qual oprimia a consciência com o medo, também sob o evangelho
se acha o Espírito de Adoção, o qual alegra nossas almas com o testemunho de
nossa salvação. Note-se que o apóstolo conecta medo com servidão, visto
que a lei não pode fazer nada senão molestar e atormentar nossas almas com um
miserável descontentamento, enquanto exercer seu domínio. Portanto, não há
nenhum outro remédio para pacificar nossas almas além do antídoto divino que
cura nossos pecados e nos trata com aquela benevolência com que um pai trata
seus filhos.
Deus nos abençoe!
João Calvino
(1509-1564).
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