“COMO VIVEREMOS AINDA NO PECADO?”
“Que diremos,
pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? De modo
nenhum! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Rm 6.1,2).
“De modo
nenhum!” [Que Deus nos livre!]. Certos intérpretes defendem a tese de que o único
desejo do apóstolo Paulo era reprovar com indignação uma atitude tão irracional e fútil.
Contudo, outras passagens provam quão frequentemente ele mostra ao longo de
seu argumento quão corriqueira era tal atitude. Aqui também contesta, com muito
tato e de forma breve, a calúnia contra sua doutrina da graça. Em primeiro
lugar, contudo, Paulo rejeita tal calúnia com uma negativa saturada de
indignação, com o fim de advertir seus leitores que não há maior contradição do
que nutrirmos nossos vícios a pretexto da graça de Cristo, visto que ela é o
único meio de restaurar nossa justiça.
“Como
viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” Agora, o seu
argumento é extraído da posição contrária. Porquanto, quem peca, vive para o
pecado. No entanto, pela graça de Cristo estamos mortos para o pecado.
Portanto, é falso sustentar que aquilo que abole o pecado lhes injeta maior
força. A verdade, ao contrário disto, reside no fato de que os crentes nunca são
reconciliados com Deus sem que recebam antes o dom da regeneração. Deveras,
somos justificados para este mesmo propósito, a saber: que em seguida adoremos
a Deus em pureza de vida. Cristo nos lava com seu sangue e faz Deus propício
para conosco através de sua expiação, fazendo-nos partícipes de seu Espírito, o
qual nos renova para um viver santo. Portanto, seria a mais absurda inversão da
obra divina caso o pecado recebesse força por meio da graça que nos é oferecida
em Cristo. A medicina não tem por alvo tornar a doença ainda mais grave, quando
sua meta é destruí-la. É bom que tenhamos bem firmado em nossa mente o que já
referi anteriormente, ou seja: que Paulo não está aqui tratando do estado em
que Deus nos encontra ao chamar-nos a comunhão de seu Filho, e, sim, o estado
em que nos achávamos quando ele nos revelou sua misericórdia e graciosamente
nos adotou. Ao fazer uso de um advérbio que denota futuro, Paulo mostra o
gênero de transformação que deve seguir a justificação.
Deus nos abençoe!
João Calvino
(1509-1564).
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