“NEM ME RETIRES O TEU SANTO ESPÍRITO”
“Não me
repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51.11).
Neste versículo, Davi apresenta a mesma petição, em linguagem que
implica a conexão de perdão com o desfruto da orientação do Espírito Santo. Se
Deus nos reconcilia consigo gratuitamente, segue-se que ele nos guiará pelo Espírito
de adoção. Somente na forma como ele nos ama e nos considerou no número de seus
próprios filhos é que pode nos abençoar com a participação de seu Espírito; e
Davi mostra que estava consciente desse fato quando ora pela continuação da graça
da adoção como indispensável à posse contínua do Espírito. As palavras deste
versículo implicam que o Espírito não havia se retirado dele completamente, por
mais que seus dons houvessem sido temporariamente obscurecido. Aliás, é
evidente que ele não podia ser totalmente privado de suas excelências
anteriores, pois parece que ele se desincumbira de seus deveres como um rei que
desfrutava de crédito, que havia observado conscientemente as ordenanças da
religião e que havia- regulado sua conduta conforme a divina lei. Até certo
ponto, ele caíra em profunda e terrível letargia, mas não “se entregou a uma
mentalidade réproba”; e é dificilmente concebível que a repreensão de Natã, o
profeta, tivesse operado tão fácil e subitamente seu despertamento, não
estivesse nos recessos de sua alma alguma fagulha latente de piedade. E verdade
que ele ora para que seu espírito fosse renovado, mas isso não deve ser
entendido com limitação. A verdade sobre a qual ora estamos insistindo é tão importante
que muitos eruditos têm inconsistentemente defendido a opinião de que os
eleitos, ao caírem em pecado mortal, perdem o Espírito completamente e ficam
alienados de Deus. O oposto é claramente afirmado por Pedro, o qual nos diz que
a palavra por meio da qual renascemos é uma semente incorruptível [1Pe 1.23]; e
João é igualmente explícito em nos informar que os eleitos são preservados de
apostasia consumada [1Jo 3.9]. Por mais que por algum tempo pareçam excluídos
por Deus, mais tarde se vê que a graça esteve viva em seu peito, mesmo durante
aquele intervalo durante o qual ela parecia extinta. Tampouco há algum valor na
objeção de que Davi fala como se temesse ser privado do Espírito. É natural que
os santos, ao caírem em pecado e, portanto, ao praticarem aquilo que poderia
levá-los a serem excluído da graça de Deus, se sintam ansiosos quanto a esse
estado [de alma]; mas é seu dever manter firme a verdade de que a graça é a
incorruptível semente divina, a qual jamais perecerá em qualquer coração onde previamente
foi depositada. Esse é o espírito exibido por Davi. Ponderando sobre sua
ofensa, ele é agitado com temores, e contudo repousa na certeza de que, sendo
um filho de Deus, não seria finalmente privado daquilo que, de fato e com justiça,
perdera.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
Nenhum comentário:
Postar um comentário