“TODA A LEI SE CUMPRE EM UM SÓ PRECEITO”
“Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5.14).
Neste versículo, uma antítese deve ser completada entre a exortação do
apóstolo Paulo e a doutrina dos falsos apóstolos. Enquanto insistiam só sobre
cerimônias, Paulo relanceia de passagem sobre os verdadeiros deveres e
exercícios dos cristãos. A presente recomendação do amor visava a ensinar aos gálatas
que ele forma a principal parte da perfeição cristã. Mas devemos ver por que
todos os preceitos da lei se encontram compreendidos no amor. A lei consiste de
duas tábuas: a primeira das quais ensina sobre o culto divino e os deveres da
piedade; e a segunda, os deveres do amor. Pois é absurdo tomar uma parte como
se fosse o todo. Alguns evitam isso, dizendo que a primeira tábua nada contém
senão amar a Deus com o nosso coração íntegro. Paulo, porém, expressamente
menciona o amor devido ao próximo, e por isso se deve buscar uma solução firme.
Piedade para com Deus, confesso, é mais proeminente do que o amor devido aos
irmãos; e assim a observância da primeira tábua é mais valiosa à vista de Deus
do que a da segunda. Mas como Deus pessoalmente é invisível, assim a piedade é
algo oculto aos sentidos humanos. E embora as cerimônias sejam destinadas a
testificar dela, todavia não são provas infalíveis. Às vezes sucede de ninguém
ser mais zeloso e sistemático em observar as cerimônias do que os hipócritas.
Deus, portanto, quer fazer prova de nosso amor para ele através do amor devido
ao nosso irmão, o qual ele nos recomenda. Eis a razão porque não só aqui, mas também
em Romanos 13.8,10, o amor é chamado de cumprimento da lei, não porque seja ele
superior ao culto divino, mas porque ele é a prova deste. Deus, como já disse,
é invisível; mas ele se nos representa nas pessoas dos irmãos, e nessas pessoas
requer o que é devido a ele mesmo. O amor para com os homens flui tão-somente
do temor e do amor de Deus. Portanto, não causaria surpresa se por meio de
sinédoque o efeito incluir em si a causa da qual ele é o sinal. Seria, porém,
errôneo separar o amor a Deus do amor aos homens.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
Nenhum comentário:
Postar um comentário