“O OITAVO MANDAMENTO”
“Não cometerás
furto” [Êx 20.15].
TEOR E APLICAÇÃO
DO OITAVO MANDAMENTO
Propósito: uma
vez que a injustiça é uma abominação a Deus, que se dê a cada um o que é seu.
Portanto, a síntese deste mandamento será que somos proibidos de cobiçar as
coisas alheias e, consequentemente, se nos ordena fazer sincero esforço em
conservar a cada um seus próprios bens. Pois, deve-se assim refletir: que a
cada um vem aquilo que possui, não por contingência fortuita, mas em virtude da
dispensação do Supremo Senhor de todas as coisas. Portanto, não se pode,
mediante maldosas artimanhas, defraudar as posses de quem quer que seja sem que
se cometa violação da divina dispensação.
São, porém,
muitas as modalidades de furtos. Uma está na violência: quando os bens alheios
são roubados mediante qualquer forma de força ou abuso predatório. Outra está
na maldosa impostura: quando são eles subtraídos fraudulentamente. Outra está
numa sutileza mais velada: quando são surrupiados sob a aparência de justiça.
Outra, em afagos: quando são despojados sob o pretexto de doação. Contudo, não
insistamos demais em catalogar modalidades de furtos. Reconheçamos que se devem
ter por furtos todos os artifícios em virtude dos quais passam para nós as
posses e riquezas do próximo, quando se desviam da sinceridade do afeto ante o
desejo de enganar ou lesar de qualquer modo. Ainda quando os homens as obtenham
em uma disputa judicial, por Deus, entretanto, não são estimadas diferentemente
de furtos.
Com efeito, Deus
vê os longos embustes com os quais o homem matreiro procura embaraçar o
espírito mais simples, até que o atraia, afinal, a suas malhas; Deus vê as leis
duras e desumanas com as quais o mais poderoso oprime e prostra o fraco; Deus
vê os engodos com os quais o mais astuto isca o incauto como que com anzóis,
todos os quais escapam ao julgamento humano, nem vêm à cogitação. Esta
injustiça não tem lugar somente em matéria de dinheiro, ou em questões de
rendimentos, ou em relação a terras, mas ainda em referência ao direito de cada
um, pois defraudamos o próximo de seus bens, se deixamos de cumprir os deveres
que para com ele somos obrigados. Se, ocioso, um administrador ou mordomo
devora o capital de seu senhor, nem está preocupado com o cuidado de seu
patrimônio; se ou esbanja indebitamente os cabedais a si confiados, ou os
dissipa desregradamente; se um criado tem em zombaria ao patrão; se lhe divulga
os segredos; se de qualquer forma lhe trai, seja a vida, sejam os bens; se, por
outro lado, um senhor oprime desumanamente à família; em crime de furto se faz
culpado diante de Deus. Pois, quem não perfaz o que, em função de sua vocação,
deve aos outros, não só retém o alheio, mas até dele se apropria.
A REAL
OBSERVÂNCIA DESTE OITAVO MANDAMENTO
Portanto, desta
forma obedeceremos devidamente ao mandamento: se, contentes com nossa sorte,
diligenciarmos por não obter nenhum outro ganho, senão o honesto e legítimo; se
não visarmos a enriquecer-nos com injustiça, nem nos propusermos a arruinar o
próximo em seus haveres, para que nosso patrimônio cresça; se não pugnarmos por
acumular riquezas brutais e espremidas do sangue de outros; se não amontoarmos
imoderadamente, de toda parte, por meios lícitos e ilícitos, aquilo com que ou
nos sacie a avareza ou satisfaça à prodigalidade. Ao contrário, porém, seja-nos
este o perpétuo escopo: até onde possível, mediante conselho e assistência, a
todos ajudemos fielmente a conservarem o que é seu. Entretanto, se tivermos de
nos haver com pérfidos e enganadores, estejamos preparados antes a ceder algo
do que é nosso do que com eles contendermos. Não só isto. Mas, aqueles a quem
houvermos de ver premidos pelas dificuldades das coisas, compartilhemos-lhes
das necessidades e com nossa abundância supramos-lhes a falta de recursos.
Finalmente, atente cada um, não importa até onde, por dever de ofício, obrigado
para com outros e de boa fé, a pagar o que lhes deve.
Por essa razão,
tenha o povo em honra a todos que lhe são constituídos em autoridade,
suporte-lhes de bom grado o domínio, obedeça-lhes às leis e determinações, a
nada se furtando que possa fazer para o agrado de Deus. Por outro lado,
sustenham esses o cuidado de seus súditos, conservem a paz pública, sejam por proteção
aos bons, reprimam os maus. De tal modo administrem a tudo como se tivessem de
prestar conta de sua função a Deus, o Juiz Supremo. Os ministros das igrejas
devotem-se fielmente ao ministério da palavra, nem adulterem o ensino da
salvação; ao contrário, transmitam-no ao povo de Deus, puro e incontaminado.
Instruam-no não só pelo ensino, mas também pelo exemplo de vida. Enfim, exerçam
sua autoridade como os bons pastores sobre suas ovelhas. Por sua vez, receba-os
o povo por mensageiros e apóstolos de Deus, renda-lhes essa honra de que o
Mestre Supremo os fez dignos, proveja-lhes aquelas coisas que lhes são
necessárias à vida.
Dediquem-se os
pais a alimentar, a orientar, a ensinar os filhos como a si confiados por Deus,
nem lhes exasperem o ânimo pela crueldade, com isso os alienando de si; ao
contrário, incentivem-nos e os abracem com a brandura e complacência que lhes
convém à pessoa. Como também os filhos lhes prestem a devida obediência, como
anteriormente foi dito. Reverenciem os jovens a idade senil, como o Senhor quis
que essa idade seja digna de honra. Também, com sua prudência e pela
experiência que os excelem, assistam os idosos à insuficiência da juventude,
não perturbando-os com recriminações ásperas e estridentes; pelo contrário,
moderem a severidade pela afabilidade e singeleza.
Que os
empregados, diligentes e com mansidão, se mostrem obedientes aos patrões, não
fazendo isso em aparência, mas de coração, como que servindo ao próprio Deus.
Os patrões também não se conduzam como rabugentos e intratáveis para com os
empregados, não os pressionem com excessiva aspereza, nem os tratem insolentemente.
Antes, pelo contrário, reconheçam que eles são seus irmãos e seus conservos sob
o Senhor Celeste, a quem devem amar mutuamente e tratar humanamente.
Enfim, que cada
um considere, segundo seu estado e vocação, o que deve a seu próximo e se
conduza convenientemente. Além disso, a mente deve sempre polarizar-nos com o
Legislador, para que saibamos que esta norma é estabelecida para nosso espírito
assim como para nossas mãos, a fim de que se esforcem em não somente assegurar,
mas também promover, o bem-estar e vantagens dos outros.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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