"SER CRISTÃO É TER MENTE E CORAÇÃO DE CRISTO".



sexta-feira, 1 de agosto de 2025

“O NONO MANDAMENTO”


“O NONO MANDAMENTO”

“Não serás testemunha falsa contra teu próximo” [Êx 20.16].  

TEOR E APLICAÇÃO DO NONO MANDAMENTO

Seu propósito: visto que Deus, que é a verdade, abomina a mentira, entre nós se deve cultivar a verdade sem dissimulação. Portanto, a suma é esta: que não prejudiquemos o nome de alguém ou com calúnias e incriminações falsas, ou mentindo façamos dano a seu patrimônio; enfim, não façamos mal a quem quer que seja, pelo desenfreamento da maledicência e da mordacidade. A esta proibição está ligada a injunção a que prestemos a cada um, até onde for viável, fiel assistência na afirmação da verdade, para que se proteja a integridade tanto de seu nome, quanto de suas coisas.

É como se o Senhor quisesse expressar o sentido de seu mandamento nestas palavras: “Não darás guarida a palavra mentirosa, nem unirás tua mão para que, com o ímpio, pronuncies falso testemunho” [Êx 23.1]. De igual modo: “Distanciar-te-ás da falsidade” [Êx 23.7]. Em outro lugar, também, nos adverte contra a mentira não só neste aspecto, dizendo que não sejamos detratores e difamadores no meio do povo [Lv 19.16], mas nem mesmo engane alguém a seu irmão [Lv 19.11], pois acautela contra um e outro em mandamentos específicos. Com efeito, não há dúvida de que, como nos mandamentos precedentes Deus reprimiu a maldade, a impudência, a avareza, assim aqui reprime a falsidade, da qual são duas as facetas, as quais já assinalamos anteriormente. Pois, ou ofendemos a reputação do próximo pela malignidade e pela perversidade de difamar, ou, mentindo, às vezes até injuriando, o privamos dos proventos.

Nenhuma diferença, porém, faz se penses que a referência aqui é a um testemunho solene e tribunalício, ou a um testemunho comum, que é pronunciado em conversas privadas. Porquando se deve recorrer sempre a isto: em cada gênero de transgressões que se propõe uma espécie por paradigma, à qual se apliquem as demais, contudo é, acima de tudo, escolhida aquela em que seja especialmente conspícua a sordidez da transgressão. Entretanto, convém estendê-lo, mais geralmente, às calúnias e detrações perversas com que se estigmatiza iniquamente o próximo, visto que a falsidade de testemunho forense nunca deixa de envolver perjúrio. Quanto aos perjúrios, porém, até onde profanam e violam o nome de Deus, foi suficientemente considerado na porção referente ao terceiro mandamento.

Consequentemente, a legítima observância do mandamento consiste em que, ao declarar a verdade, a língua serve, ou à boa fama, ou aos interesses do próximo. A equidade lhe é mais do que evidente. Ora, se mais precioso do que quaisquer tesouros é o bom nome [Pv 22.1], com detrimento nada menor é um homem despojado da integridade do nome do que de suas riquezas. Mas, ao pilhar-se-lhe o patrimônio, por vezes não se alcança menos pelo falso testemunho do que pela rapacidade das mãos.

A MALEDICÊNCIA E A MORDACIDADE SÃO VIOLAÇÕES DO NONO MANDAMENTO

E, contudo, é de admirar com quão indolente despreocupação, a cada passo, se peca nesta matéria, de tal sorte que raríssimos se acham os que não padeçam notoriamente desta enfermidade. A tal ponto nos deleitamos, por um como que envenenado prazer, seja em procurar descobrir, seja em divulgar as faltas alheias! Nem pensemos ser uma desculpa procedente, se muitas vezes não estamos a mentir. Ora, Aquele que proíbe que seja deturpado pela mentira o nome de um irmão, quer também que se conserve ele ilibado, quanto seja exequível em consonância com a verdade. Porquanto, se de alguma maneira precavenha ele apenas contra a mentira, com isso mesmo, entretanto, acena que ele lhe é objeto de atenção. Com efeito, isto deve nos bastar para que se preserve íntegra ao próximo a reputação: que merece ela consideração da parte de Deus. 

Isso posto, sem a menor dúvida aqui se condena a maledicência. Todavia, por maledicência entendemos não a censura que se faz no empenho de punir faltas; não a acusação ou denúncia judicial, mediante a qual se busca remédio ao mal; não a repreensão pública, que visa a incutir terror a outros pecadores; não a informação em relação àqueles de cuja segurança é de interesse que sejam avisados, para que não incorram em perigo pela falta de conhecimento; ao contrário, é a odiosa incriminação que nasce da maldade e da incontinência de difamar. 

Porque também até este ponto se estende este mandamento: que não afetemos falsa urbanidade e embebida de amargos sarcasmos, mediante os quais, sob a aparência do espirituoso, com mordacidade se trazem à baila os defeitos dos outros, como costumam fazer alguns que procuram granjear o louvor de seus gracejos com a vergonha, e até mesmo o pranto de outros, quando, por vezes, não levemente, infamam os irmãos através de petulância dessa espécie. Ora, se volvermos os olhos para o Legislador, que não tem menos domínio sobre os ouvidos e o coração do que sobre a língua, compreenderemos, sem lugar a dúvidas, que neste mandamento se proíbe não menos ouvir e crer com chistes e acusações, do que proferi-las e ser seus autores. Pois é ridículo se alguém pensa que Deus abomina a doença da maledicência na língua e não desaprova a doença da malignidade na mente. 

Portanto, se há em nós o verdadeiro temor e amor de Deus, diligenciemos, até onde for viável e conveniente, e quanto o admite a caridade, para que não ofereçamos, seja a língua, sejam os ouvidos, a expressões maledicentes e sarcásticas, e não abandonemos, sem razão, a mente a sinuosas suspeitas; pelo contrário, fiéis intérpretes das palavras e atos de todos, conservemos-lhes sinceramente ilibada a honorabilidade, tanto no juízo, quanto nos ouvidos, quanto na língua.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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