"SER CRISTÃO É TER MENTE E CORAÇÃO DE CRISTO".



quinta-feira, 28 de agosto de 2025

“SEVERO CASTIGO”


“SEVERO CASTIGO”

“De quanto mais severo castigo julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça?” (Hb 10.29).

Calcou aos pés o Filho de DeusHá uma semelhança entre os apóstatas da lei e os apóstatas do evangelho – ambos perecerão sem misericórdia; o gênero de morte, porém, é diferente. Pois aos que desprezam a Cristo o apóstolo ameaça não só com a morte corporal, mas também com destruição eterna. Portanto, ele afirma que para os tais resta ainda uma punição muito pior. Ele expressa essa deserção do cristianismo sob três formas de linguagem. Diz que dessa forma o Filho de Deus é calcado aos pés; que seu sangue é profanado; e que o Espírito da graça é desprezado. Esmagar com os pés é pior do que lançar fora; e a dignidade de Cristo é muito mais distinta que a de Moisés. Acrescenta-se a esse fato que ele não traça simplesmente um contraste entre evangelho e lei, mas também entre a pessoa de Cristo e o Espírito Santo, e a pessoa de Moisés.

Profanou o sangue da aliança. Ele intensifica a ingratidão, confrontando-a com os benefícios. É algo muitíssimo indigno profanar o sangue de Cristo, o qual é o agente de nossa santificação; e é precisamente o que fazem aqueles que se desviam da fé. Nossa fé não é simplesmente uma questão de doutrina, mas do sangue pelo qual nossa salvação foi ratificada. O autor o chama de o sangue da aliança, porque as promessas nos foram confirmadas quando esse penhor foi adicionado. Ele chama a atenção para a forma dessa confirmação, dizendo que fomos santificados por ela, pois o sangue derramado não nos serviria para nada, a menos que fôssemos aspergidos com ele através do Espírito Santo. É daí que provêm nossa expiação e santificação. O apóstolo está, ao mesmo tempo, se referindo ao antigo rito de aspersão, a qual não era eficaz para a genuína santificação, mas era sua sombra ou tipo.

Ultrajou o Espírito da graça. O apóstolo o chama o Espírito da graça pelos efeitos que ele produz, porque é através dele e pelo seu poder que recebemos a graça que nos é oferecida em Cristo. É ele que ilumina nossas mentes com fé; que sela em nossos corações a adoção divina; que nos regenera para uma nova vida; e que nos enxerta no corpo de Cristo, para que ele viva em nós e nós nele. O Espírito da graça, portanto, é assim corretamente chamado, visto que é através dele que Cristo, com os seus benefícios, se tornam nossos. Tratar com desprezo, aquele através de quem somos dotados com tão grandes bênçãos, é o mais perverso de todos os pecados. Aprendamos desse fato que todos aqueles que voluntariamente tornam sua graça inútil, depois de desfrutarem de seu favor, estão expondo o Espírito de Deus ao desprezo. Portanto, não é de estranhar que Deus se vingue de uma blasfêmia desse gênero, de forma tão severa; e não é de estranhar que ele se mostre inexorável para com aqueles que pisam sob a planta de seus pés a Cristo o Mediador, o único que intercede por nós; e não é de estranhar que ele obstrua o caminho da salvação àqueles que rejeitam o Espírito Santo, como seu único e verdadeiro Guia.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

“RESTAURA-NOS, Ó DEUS”


“RESTAURA-NOS, Ó DEUS”

“Restaura-nos, ó Deus; faze resplandecer o teu rosto, e seremos salvos” (Sl 80.3).

O significado desta oração é este: Restaura-nos a nossa primeira condição. Haviam rogado, no versículo precedente, que Deus renovasse sua força diante de Efraim, Benjamim e Manassés (v. 2); e agora se queixam de que não passavam de proscritos enquanto Deus não os socorresse e remediasse sua miserável dispersão. Alguns entendem as palavras restaura-nos ou faz-nos voltar novamente como uma referência a uma maneira diferenciada; ou, seja, como uma oração para que Deus lhes concedesse o espírito de regeneração. Mas sendo tal interpretação refinada demais, será melhor aderir ao primeiro sentido, a saber: considerar a expressão no sentido em que os fiéis, sob a adversidade com que eram afligidos, recorreram a Deus, cuja obra peculiar é restaurar os mortos à vida. Reconhecem, de um lado, que todas suas misérias tinham que ser ligadas a isto, como sua causa: que Deus, estando irado por causa de seus pecados, ocultava deles sua face; e, por outro lado, esperam obter plena salvação tão-somente através do favor divino. Ser-nos-á, dizem, na verdade uma ressurreição, quando teu semblante resplandecer sobre nós. Sua linguagem subentende que, contanto que Deus lhes estenda sua misericórdia e favor, seriam felizes e todas suas atividades prosperariam.

“Seja a tua mão sobre o povo da tua destra, sobre o filho do homem que fortaleceste para ti. E assim não nos apartaremos de ti; vivifica-nos, e invocaremos o teu nome. Restaura-nos, ó Senhor, Deus dos Exércitos, faze resplandecer o teu rosto, e seremos salvos” (Sl 80.17-19).

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

“DE MODO ALGUM PERDERÁ O SEU GALARDÃO”


“DE MODO ALGUM PERDERÁ O SEU GALARDÃO”

“Quem recebe um profeta, no caráter de profeta, receberá o galardão de profeta; quem recebe um justo, no caráter de justo, receberá o galardão de justo.  E quem der a beber, ainda que seja um copo de água fria, a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão” (Mt 10.41,42)

Nestes versículos, o nosso Senhor Jesus conclui a primeira incumbência que determinou àqueles que estava enviando para divulgar o seu evangelho. Ele declarou três grandiosas verdades, que formam uma apropriada conclusão para o seu discurso.

Por fim, em terceiro lugar, nosso Senhor nos alegra com a declaração de que mesmo o menor serviço prestado àqueles que trabalham em sua causa será observado e recompensado por Deus. “E quem der a beber, ainda que seja um copo de água fria, a um destes pequeninos, por ser este meu discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão”.

Nessa promessa há algo maravilhoso. Ela nos ensina que os olhos do nosso grande Mestre estão perenemente fixos sobre aqueles que trabalham para Ele e procuram fazer o bem. Parece que essas pessoas trabalham sem serem notadas, sem serem consideradas. O trabalho dos pregadores e missionários, dos professores e dos que visitam os pobres, pode parecer de pouco valor e insignificante, em comparação com os ofícios de reis e parlamentares, de generais e estadistas. Mas não é insignificante aos olhos de Deus. Ele observa os que se opõem aos seus servos e aqueles que os ajudam. Ele observa quem é dócil para seus ministros, como Lídia agiu com Paulo, e quem põe obstáculos no caminho, como Diótrefes fez com o apóstolo João. Toda a experiência diária dos discípulos de Cristo fica registrado no grande livro de obras e tudo será revelado no dia de juízo. O copeiro-mór esqueceu-se de José depois de ter sido restaurado ao cargo. Mas o Senhor Jesus jamais se esquece de qualquer do seu povo. Ele dirá a muitos, que menos esperam por isso, no dia da ressurreição: “Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber” (Mt 25.35).

Ao encerrarmos o estudo deste capítulo, perguntemos a nós mesmos como consideramos a obra e a causa de Cristo neste mundo. Estamos ajudando ou dificultando essa obra? Estamos ajudando de alguma maneira, aos profetas e aos “justos” do senhor? Estamos ajudando esses pequeninos? Estamos pondo obstáculos no caminho, ou estamos encorajando os obreiros do Senhor, procurando animá-los?  Os que oferecem o “copo de água fria” sempre que tenham oportunidade, agem bem. Porém, agem ainda melhor aqueles que trabalham ativamente na obra do Senhor. Que todos nós nos esforcemos por deixar este mundo melhor do que aquele em que nascemos. Isso é ter a mente de Cristo.

Deus nos abençoe!

J.C.Ryle (1816-1900).

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“QUEM NÃO TOMA A SUA CRUZ”


“QUEM NÃO TOMA A SUA CRUZ”

“Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim” (Mt 10.37,38).

Nestes versículos, o nosso Senhor Jesus conclui a primeira incumbência que determinou àqueles que estava enviando para divulgar o seu evangelho. Ele declarou três grandiosas verdades, que formam uma apropriada conclusão para o seu discurso.

Em segundo lugar, nosso Senhor Jesus nos diz que os verdadeiros cristãos devem estar preparados para sofrerem tribulações neste mundo. Se somos ministros ou ouvintes, se ensinamos ou somos ensinados, não faz muita diferença. Temos que levar a nossa “cruz”. Devemos estar dispostos a perder até a própria vida por amor a Cristo. Devemos nos submeter à perda do favor dos homens, suportar as dificuldades e negar a nós mesmos muitas vezes ou, então, jamais chagaremos ao céu. Enquanto o mundo, o diabo e os nossos próprios corações forem como são, as coisas têm de ser assim.

Descobriremos quão útil é relembrar-nos dessa lição, para então transmiti-la aos nossos semelhantes. Poucas coisas são mais prejudiciais à religião do que as expectativas exageradas e fora de proporção. Certas pessoas esperam encontrar uma medida de conforto mundano no serviço de Cristo, embora não tenham o direito de esperar. E, não encontrando o que esperavam, sentem-se tentadas a desistir, desgostosas, da religião. Feliz é quem compreende que, embora o cristianismo traga uma coroa no final da carreira, traz também uma cruz para o caminho.

Deus nos abençoe!

J.C.Ryle (1816-1900).

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“NÃO PENSEIS QUE VIM TRAZER PAZ À TERRA”


“NÃO PENSEIS QUE VIM TRAZER PAZ À TERRA”

“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa” (Mt 10.34-36).

Nestes versículos, o nosso Senhor Jesus conclui a primeira incumbência que determinou àqueles que estava enviando para divulgar o seu evangelho. Ele declarou três grandiosas verdades, que formam uma apropriada conclusão para o seu discurso.

Em primeiro lugar, Cristo ordena lembrarmos que o evangelho nem sempre instaurará paz e concórdia onde for anunciado. “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”. O objetivo da vinda de Cristo à terra não foi o de inaugurar um reino milenar, dentro do qual todos teriam uma única atitude mental; antes, Ele veio trazer o evangelho que haveria de provocar divisões e contendas. Não temos o direito de nos sentirmos surpreendidos se essa predição vai sendo incessantemente cumprida. Não devemos estranhar se o evangelho chegar a dividir famílias inteiras, separando até mesmo os parentes mais achegados. Com certeza esse será o resultado do evangelho em muitos casos, por causa da arraigada corrupção do coração humano. Enquanto um homem crê e outro permanece na incredulidade, enquanto um homem resolve desistir de seus pecados, mas outro está resolvido a continuar em pecado, o resultado da pregação do evangelho será divisão. Não devemos culpar o evangelho, mas, sim, o coração do homem.

Nestes ensinamentos há uma profunda verdade, embora seja constantemente esquecida e negligenciada. Muitos falam em termos vagos acerca da unidade, harmonia e paz na igreja de Cristo, como se devêssemos esperar por essas coisas, e pelas quais tudo o mais devesse ser sacrificado. Tais pessoas fariam bem em relembrar as palavras de nosso Senhor. Não há dúvida, a unidade e a paz são bênçãos poderosas. Deveríamos buscar alcançá-las, orando por elas e até desistindo de tudo o mais para as obtermos, excetuando a bondade e uma boa consciência. Porém, é um sonho vão supormos que neste mundo as igrejas de Cristo desfrutarão de grande unidade e paz.

Deus nos abençoe!

J.C.Ryle (1816-1900).

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“DISPOSTOS A DESISTIR DE TUDO”


“DISPOSTOS A DESISTIR DE TUDO”

“Grandes multidões o acompanhavam, e ele, voltando-se, lhes disse: Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.25,26).

Os verdadeiros crentes têm de estar dispostos a desistir de tudo, por amor a Cristo, se for necessário. Esta lição é ensinada através de uma linguagem notável. Nosso Senhor disse: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo”.

Sem dúvida, esta expressão tem de ser interpretada com algum esclarecimento. Nunca devemos explicar qualquer texto das Escrituras de tal maneira que ele venha contradizer outro texto. Nosso Senhor não tencionava que entendêssemos que o verdadeiro cristão tem o dever de odiar seus parentes. Isso seria contrário ao quinto mandamento. Ele apenas pretendia dizer que seus seguidores devem amá-Lo com um profundo amor, mais intenso do que o amor manifestado em seu relacionamento com pessoas queridas e achegadas e do que o amor a suas próprias vidas. O Senhor Jesus não desejava ensinar que contender com nossos amigos e parentes é uma parte essencial do cristianismo; porém, estava dizendo que, se as reivindicações de nossos parentes e amigos entrarem em conflito com as dEle mesmo, precisamos deixar de lado as reivindicações de nossos parentes e amigos. Antes, devemos escolher desagradar aqueles que amamos na terra do que desagradar Aquele que morreu por nós na cruz.

A exigência que o Senhor Jesus coloca sobre nós é peculiarmente severa e perscrutadora. No entanto, é uma exigência sábia e necessária. A experiência demonstra que, tanto na igreja como em nossa própria pátria e nos campos missionários longínquos, alguns dos inimigos da alma de um homem são, em muitas ocasiões, os seus próprios parentes. Às vezes, acontece que o maior obstáculo no caminho de uma pessoa despertada em sua consciência é a oposição de amigos e parentes. Pais incrédulos não podem suportar ver seus filhos assumindo uma nova postura referente às coisas espirituais. Mães ímpias ficam irritadas ao verem suas filhas sem vontade de participarem nas atividades do mundo. Conflito de opiniões ocorre sempre que a graça divina adentra em uma família. Então, surge aquele tempo em que o verdadeiro seguidor de Cristo tem de lembrar a essência das palavras de nosso Senhor nesta passagem e precisa estar disposto a ofender seus familiares, ao invés de ofender a Cristo.

Deus nos abençoe!

J.C.Ryle (1816-1900).

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terça-feira, 19 de agosto de 2025

“OUVE-ME AS VOZES SÚPLICES”


“OUVE-ME AS VOZES SÚPLICES”

“Ouve-me as vozes súplices, quando a ti clamar por socorro, quando erguer as mãos para o teu santuário” (Sl 28.2).

Esta petição é emblema de um coração em angústia. O ardor e veemência de Davi em oração são também demonstrados pelo expressivo substantivo voz e pelo expressivo verbo clamar. Quer dizer que estava tão abalado pela ansiedade e medo, que orava não com frieza, mas com ardor, com veemente desejo, como aqueles que, sob a pressão da tristeza, gritam com veemência. Na segunda cláusula do versículo, fazendo uso de sinédoque, a coisa significada é indicada pelo sinal. Tem sido uma prática comum, em todos os tempos, pessoas erguerem suas mãos em oração. A natureza tem criado esse gesto, até mesmo nos idólatras pagãos, para mostrar por meio de um sinal visível que suas mentes eram dirigidas somente para Deus. A maioria, é verdade, se satisfaz com a mera cerimônia, esforçando-se por não serem afetados com suas próprias invenções; mas o próprio ato de erguer as mãos, quando não há hipocrisia e fraude, é um auxílio para a oração devota e zelosa. Davi, contudo, não diz aqui que ele erguia suas mãos para o céu, e, sim, para o santuário por meio do qual, auxiliado por sua proteção, ele podia ascender mais facilmente ao céu. Ele não estava tão grosseiro ou tão supersticiosamente ligado ao santuário externo, como se não soubesse que devia buscar a Deus espiritualmente e que os homens então só se aproximam dele quando, deixando o mundo, pela fé penetram a glória celestial. Recordando, porém, que ele era homem, Davi não negligenciaria tal auxílio oferecido à sua enfermidade. Como o santuário era o penhor ou emblema do pacto de Deus, Davi via ali a presença da prometida graça de Deus, como se ela fosse representada num espelho; justamente como os fiéis agora, se desejam ter a percepção da proximidade de Deus com eles, imediatamente dirigem sua fé para Cristo, que desceu a nós em sua encarnação para que pudesse elevar-nos ao Pai. Compreendamos, pois, que Davi subia ao santuário com nenhum outro propósito senão que, pelo auxílio da promessa divina, pudesse pairar acima dos elementos do mundo, os quais ele usava, contudo, segundo as determinações da lei. O termo hebraico, o qual traduzimos por santuário, significa a sala interior do tabernáculo ou templo, ou o lugar santíssimo, onde se encontrava a arca do concerto, e é assim chamado proveniente das respostas ou oráculos que Deus revelava dali, com o fim de testificar a seu povo a presença de seu favor entre eles.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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“A TI CLAMO, Ó SENHOR; ROCHA MINHA”

“A TI CLAMO, Ó SENHOR; ROCHA MINHA”

“A ti clamo, ó Senhor; rocha minha, não sejas surdo para comigo; para que não suceda, se te calares acerca de mim, seja eu semelhante aos que descem à cova” (Sl 28.1).

Após ser libertado de grandes perigos pelo socorro divino, Davi, neste Salmo, segundo seu costume, primeiramente registra os votos que fizera em meio às suas dificuldades, e então [registra] suas ações de graças e louvores a Deus, com o fim de induzir outros a seguirem seu exemplo. É provável que ele esteja se referindo às suas perseguições movidas por Saul.

Davi começa declarando que se valeria unicamente do socorro divino, no que mostra tanto sua fé quanto sua sinceridade. Embora os homens labutem por toda parte sob um enorme volume de problemas, todavia raramente um em cem recorre a Deus. Quase todos, tendo suas consciências sobrecarregadas de culpa, e não havendo jamais experimentado o poder da graça divina que poderia levá-los a apropriar-se dele, ou soberbamente se atormentam um bocado ou se enchem com queixas sem valor, ou dão vazão ao desespero, desfalecendo sob o peso de suas aflições. Ao chamar Deus, rocha minha, Davi mais plenamente demonstra que confiava na assistência divina, não só quando se achava à sombra e em paz, mas também quando se achava exposto às mais severas tentações. Ao comparar-se com os mortos, ele igualmente informa quão grandes eram seus apertos, ainda que seu objetivo não fosse meramente realçar a magnitude de seus perigos, mas também mostrar que quando necessitava de socorro, não o buscava aqui e ali, mas descansava somente em Deus, sem cujo favor não restaria esperança alguma para ele. Portanto, é como se dissesse: Se me deixares, me transformarei em nulidade; se não me socorreres, perecerei. Para alguém que se acha em tal estado de aflição não basta ser sensível à sua miséria, a menos que se convença de sua incapacidade de se ajudar e renuncie todo e qualquer auxílio do mundo, recorrendo tão-somente a Deus. E como as Escrituras nos informam que Deus responde aos verdadeiros crentes quando mostra através de suas operações que ele leva em conta suas súplicas, assim a expressão, se te calares, é posta em oposição à sensível e presente experiência de seu auxílio, quando parece, por assim dizer, não ouvir suas orações.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

“TEMPLO DO ESPÍRITO SANTO”


“TEMPLO DO ESPÍRITO SANTO”

“Acaso, não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (1Co 6.19,20).

O apóstolo Paulo usa mais dois argumentos para abstermo-nos da imundícia. O primeiro consiste em que “os nossos corpos são templos do Espírito Santo”; e o segundo consiste em que não vivemos sob nossa própria jurisdição, visto que o Senhor nos adquiriu para ele mesmo como sua propriedade particular. Há uma associação de ênfase no uso do termo “templo”, pois, visto que o Espírito de Deus não pode permanecer num ambiente impuro, tornamo-nos sua residência somente quando nos consagramos como seus santuários. Que grande honra nos confere Deus em querer habitar em nós! Portanto, que vivamos em pleno temor a fim de não o expulsarmos, e ele, por sua vez, nos abandone, irado contra os nossos atos sacrílegos.

E que não sois de vós mesmos? Este é o segundo argumento, a saber: que não estamos sob nossa própria autoridade, vivendo segundo o nosso bel-prazer. A razão que ele apresenta em prol disto é que o Senhor já pagou o preço de nossa redenção, e nos adquiriu para ele mesmo. Paulo se expressa em termos similares em Romanos 14.9: “Porque foi para isto que Cristo morreu e ressuscitou, para ser Senhor tanto dos mortos como dos vivos”.

Então, a palavra “preço” pode ser considerada de duas formas, a saber: Podemos entendê-la num sentido literal, como quando falamos normalmente de algo como tendo um “valor de custo”, visto que desejamos deixar bem claro que não o obtemos de graça. O outro significado é aquele substituído por “caro”, “alto preço”, quando geralmente descrevemos as coisas que nos custam um valor muito elevado. Em minha opinião, não há dúvida de que o segundo é mais satisfatório. O apóstolo Pedro escreve em termos similares: “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa maneira de viver...mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado” (1Pe 1.18,19). Eis o sentido: que a redenção nos mantenha constrangidos, e mantenha a licenciosidade de nossa carne sob a pressão do freio da obediência.

“Glorificai a Deus no vosso corpo”. Dessa conclusão torna-se evidente que os coríntios presumiam que podiam fazer o que bem lhes agradasse com respeito às questões externas, as quais tinha de ser limitadas e refreadas. O apóstolo Paulo, pois, fornece os meios de correção, aqui, onde ele os avisa de que o corpo, bem como a alma, estão sujeitos a Deus, e, portanto, é justo que ambos sirvam à sua glória. É como se dissesse: “Na verdade, a mente de um crente deve ser pura diante de Deus, mas também assim deve ser no tocante à sua conduta externa, a qual é vista pelos homens; esta deve estar em submissão, visto que a autoridade sobre ambos pertence a Deus, que redimiu a ambos”. Com o mesmo propósito em vista, ele assevera no versículo 19 que não é apenas nossa mente, mas também nosso corpo, ambos são templos do Espírito Santo, de modo que não tenhamos ilusão de que podemos inocentar-nos diante dele, pois só podemos fazer isso quando nos dedicamos ao seu serviço, total e sinceramente, para que venhamos também direcionar as ações externas de nossas vidas segundo [os parâmetros de] sua Palavra.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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domingo, 10 de agosto de 2025

Opwekking 896 - Reikhalzend

AVIVAMENTO - 896 


Reikhalzend - Ansiosamente

Aguardamos ansiosamente as nuvens,
Até que apareças em glória às nações.
Como o relâmpago ilumina o céu,
Assim virá o Filho do Homem, e eis que...

A criação se ajoelha.
O céu se alegra.
Sua noiva se levanta.
Sua igreja testifica.

Refrão:

Rei Jesus, nome supremo,
Tu mereces o lugar de honra.
Toda a glória, todo o louvor,
Toda a honra ao Filho de Deus.

Com as mãos erguidas, desinibidas,
Abrimos espaço para Ti, cheios de anseio.
Como os anjos ao redor do teu trono,
Clamamos em alta voz:

Toda a glória ao Filho de Deus.

A criação se ajoelha.
O céu se alegra.
Sua noiva se levanta.
Sua igreja testifica.

(Refrão)

Ponte (2x):

Vozes se unem,
Corações clamam:
Não há ninguém como Tu, ninguém como Tu.
O céu toca a terra,
Se um nome permanecer.
Não há ninguém como Tu, ninguém como Tu.

(Refrão)

Toda a glória ao Filho de Deus.

Mt 24:29-30, At 7:55-56
Letra e música: Sander Nijbroek e Sarah Ben Hamida


Deus nos abençoe!

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

“VENDO A NUDEZ DO PAI, FÊ-LO SABER, FORA”


“VENDO A NUDEZ DO PAI, FÊ-LO SABER, FORA”

“Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se e se pôs nu dentro de sua tenda. Cam, pai de Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos (Gn 9.20-22).

Essa circunstância é acrescentada para agravar a dor de Noé, pois ele é ridicularizado por seu próprio filho. Por isso, devemos manter sempre na memória que essa punição lhe foi divinamente infligida, em parte porque sua falha não era de caráter leve, em parte para que Deus, em sua pessoa, apresentasse uma lição de temperança a todas as épocas. Em si, a embriaguez tem como recompensa o seguinte fato: que aqueles que apagam de si mesmos a imagem de seu Pai celestial se tornam motivo de riso para seus próprios filhos. Pois certamente, tanto quanto possível, os ébrios subvertem seu próprio entendimento e se privam ao máximo da razão, a ponto de degenerar-se em animais irracionais. E recordemo-nos que, se o Senhor se vingou tão seriamente de uma única transgressão do santo homem, ele certamente será o vingador não menos severo contra os que vivem diariamente embriagados; e disso temos exemplos suficientemente numerosos diante de nossos olhos.

Enquanto isso, por rir-se desdenhosamente de seu pai, Cam revela seu próprio caráter depravado e maligno. Bem sabemos que os pais, depois de Deus, devem ser profundamente reverenciados; e, se não houvesse nem livros, nem sermões, a própria natureza nos inculca constantemente essa lição. O consenso popular concorda que a piedade para com os pais é a mãe de todas as virtudes. Portanto, Cam teria sido de uma disposição excessivamente ímpia, perversa e depravada; posto que ele não somente tomou gosto pelo opróbrio do pai, mas também se dispôs a lhe expor a seus irmãos. E isso não se constitui uma leve ocasião de ofensa; primeiro, que Noé, o ministro da salvação aos homens e o principal restaurador do mundo, em extrema velhice, ficou embriagado em sua casa; e, segundo, que o ímpio e perverso Cam tivesse saído do santuário de Deus. Este selecionou oito almas para ser uma santa semente, totalmente purificada de toda e qualquer corrupção, para renovação da Igreja; mas o filho de Noé mostra quão necessário é que os homens sejam refreados por Deus, por mais que sejam exaltados por privilégios.

A impiedade de Cam nos prova quão profunda é a raiz da perversidade nos homens; e que ela produz continuamente seus brotos, exceto onde o poder do Espírito prevalece sobre ela. Mas se, no sagrado santuário de Deus, no meio de tão exíguo número, se preservou um diabo, não nos maravilhemos se hoje, na Igreja, contendo uma multidão muito maior de pessoas, os maus se acham misturados com os bons. Não hão qualquer dúvida de que a mente de Sem e Jafé foi gravemente ferida quando perceberam em seu próprio irmão tão grande escárnio, e, por outro lado, seu pai vergonhosamente prostrado ali no chão. Que loucura vil foi vista no príncipe do novo mundo! E o santo patriarca da Igreja não podia surpreendê-los menos do que eles tivessem visto a própria arca quebrada, lançada em pedaços, partida e destruída. Entretanto, sua magnanimidade vence também o motivo desse escândalo, e o esconde por sua modéstia.

Somente Cam se apodera avidamente da oportunidade para ridicularizar e injuriar a seu pai; exatamente como os homens perversos estão acostumados a aproveitar as ofensas dos outros, as quais podem servir de pretexto para entregarem-se ao pecado. E sua idade o torna menos desculpável, porquanto não era um jovem lascivo que, por sua irrefletida gargalhada, se deixasse trair por sua própria insensatez, visto que sua idade já passava dos 100 anos. Portanto é provável que ele perversamente tenha insultado dessa maneira a seu pai querendo conquistar para si a licença para pecar impunimente. Hoje vemos muitos agirem assim, os quais, com muito empenho espionam as falhas de pessoas santas e piedosas com o objetivo de, sem qualquer pudor, se entregarem a toda e qualquer iniquidade; inclusive tomam as falhas de outras pessoas como ocasião de endurecimento para assim menosprezarem a Deus.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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sábado, 2 de agosto de 2025

“ELA SERÁ SALVA ATRAVÉS DE SUA MISSÃO DE MÃE”


“ELA SERÁ SALVA ATRAVÉS DE SUA MISSÃO DE MÃE”

“Mas ela será salva através de sua missão de mãe, se perseverar na fé, e amor, e na santificação, com toda sobriedade” (1Tm 2.15).

A debilidade de sua natureza feminina torna a mulher mais tímida e arredia, e o que Paulo tem afirmado presume-se que perturba e confunde até mesmo os espíritos mais viris. E assim o apóstolo modifica o que dissera, adicionando uma consolação; pois o Espírito de Deus não nos acusa nem nos repreende com o fim de cobrir-nos de humilhação e em seguida triunfar-se sobre nós. Ao contrário, ao humilhar-nos em sua presença, uma vez mais nos põe de pé. Isso, como já disse, poderia reduzir as mulheres ao desespero, ouvindo elas que toda a ruína da raça humana lhes é atribuída. Então, que juízo divino será esse que lhes sobrevirá? – pergunta essa que torna todas ainda mais debilitadas diante da ininterrupta consciência de que sua submissão é um emblema sempre presente da ira divina. Daí Paulo, procurando confortá-las e tornar-lhes sua condição suportável, lembrar-lhes que, embora sofram o castigo temporário, a esperança da salvação permanece diante de seus olhos. O efeito positivo desta consolação é duplo e merece nota. Primeiramente, ao colocar diante delas a esperança de salvação, são preservadas do desespero e do medo ante a lembrança de sua culpa; e, em segundo lugar, acostumam-se a suportar com equanimidade e serenidade a imposição de viverem em servidão a seus esposos, de modo a submeter-se-lhes voluntariamente, ao recordarem que obediência desse gênero é igualmente saudável a elas e agradável a Deus. Se esta passagem for torcida para apoiar a justificação pelas obras, como alguns costumam fazer, a solução é fácil. Visto que o apóstolo não esteja tratando, aqui, da causa da salvação, suas palavras não podem e não devem ser usadas para apontar o caminho pelo qual Deus nos guia àquela salvação que ele, por sua graça, nos destinou

É possível que os críticos mordazes achem ridículo que um apóstolo de Cristo não só exorte as mulheres a que deem atenção a maternidade, mas lance isso sobre elas como uma pia e santa obra, indo ainda mais longe dizendo que, com isso, elas poderão obter a salvação. Vemos também a maneira como ele repreende os hipócritas que queriam parecer mais santos do que os demais homens, os quais difamavam o leito conjugal. Mas não é difícil responder a esses ímpios zombadores. Pois, em primeiro lugar, o apóstolo Paulo está tratando, aqui, não meramente de se dar à luz filhos, e, sim, dos muitos e severos sofrimentos que tinham que suportar, tanto em dar à luz filhos quanto em criá-los. Em segundo lugar, seja o que for que os hipócritas ou os sábios do mundo pensem, Deus se deleita mais com a mulher que considera a condição que ele lhe destinou como uma vocação e se sujeita a ela, não recusando o fastio por alimentação, a indisposição, as dificuldades, ou, ainda pior, a temível angústia associada ao parto, ou, algo que exibisse suas grandes e heróicas virtudes, mas que, ao mesmo tempo, se recusasse a aceitar a vocação a elas concedida por Deus. A isso podemos adicionar que nenhuma consolação podia ser mais apropriada ou mais eficaz do que demonstrar que na punição propriamente dita estão os meios (por assim dizer) de assegurar-se a salvação.

Se perseverar na fé. A Vulgata traduz, “em dar à luz filhos, se porventura continuarem na fé”, e esta cláusula era geralmente considerada como uma referência a filhos. Mas Paulo usa uma única palavra para “dar à luz filhos”. E assim a fé deve aplicar-se à mulher. O fato de o substantivo ser singular e o verbo, plural, não implica dificuldade alguma, pois quando um substantivo indeterminado se refere a toda uma classe, ele tem a mesma função de um substantivo coletivo, de modo que a mudança de número no verbo é facilmente admissível.

Demais, para evitar-se a insinuação de que toda virtude feminina está envolvida pelos deveres do matrimônio, o apóstolo imediatamente acrescenta uma lista de grandes virtudes pelas quais as mulheres piedosas devem sobressair-se, para que se distingam das mulheres irreligiosas. Mesmo o dar à luz só é um ato de obediência a Deus quando procede da e do amor. A estes ele adiciona a santificação, a qual inclui toda aquela pureza da vida que convém às mulheres cristãs. Finalmente vem a sobriedade, a qual ele mencionou um pouco antes, ao tratar do vestuário, mas agora a estende a outras partes da vida.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana do Brasil - Curitiba/PR.

“E ADÃO NÃO FOI SEDUZIDO”


“ADÃO NÃO FOI SEDUZIDO”

“E Adão não foi seduzido, e sim, a mulher, a qual, sendo seduzida, caiu em transgressão” (1Tm 2.14).

O apóstolo Paulo está se referindo à punição infligida sobre a mulher: “Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio a dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16). Uma vez que o conselho que ela dera fora fatal, era justo que ela aprendesse a depender do poder e da vontade de outrem. Já que ela seduzira o homem a desviar-se do mandamento de Deus, era justo que se visse privada de toda a sua liberdade e estivesse sujeita ao jugo. Além do mais, o apóstolo não baseia seu argumento simplesmente ou meramente na causa da transgressão, mas na sentença pronunciada por Deus sobre ela. Não obstante, pode-se concluir que haja contradição envolvida na afirmação, tanto que a submissão da mulher era o castigo por sua transgressão, como também que a mesma lhe foi imposta desde a criação, pois desse fato seguir-se-á que ela foi destinada à servidão mesmo antes de pecar. Minha resposta é que não há razão para deduzir-se que a obediência não lhe teria sido uma condição natural desde o princípio, enquanto que a servidão foi uma última condição resultante de seu pecado, de modo que a submissão se tornou menos voluntária do que a tivera antes.

Demais, alguns têm encontrado nesta passagem justificativa para o ponto de vista de que Adão não caiu por seu próprio erro, senão que apenas foi vencido pelas fascinações de sua esposa. Acreditam que somente a mulher foi enganada pela astúcia da serpente, ao crer que ela e seu esposo seriam como deuses. Mas Adão não ficou tão persuadido, e provou o fruto só para satisfazer o capricho de sua esposa. Tal ponto de vista, porém, é fácil de refutar, porque, se Adão não houvera crido na mentira de Satanás, Deus não o teria repreendido, dizendo: “Eis que o homem é como um de nós” (Gn 3.22). Há outros argumentos que deixo de mencionar, porque não há necessidade de se fazer extensa refutação de um erro, quando o mesmo repousa sobre a mera conjectura. Com essas palavras o apóstolo Paulo não quer dizer que Adão não fora envolvido na mesma ilusão diabólica, senão que a causa e fonte de sua transgressão vieram de Eva.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana do Brasil - Curitiba/PR.

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

“O NONO MANDAMENTO”


“O NONO MANDAMENTO”

“Não serás testemunha falsa contra teu próximo” [Êx 20.16].  

TEOR E APLICAÇÃO DO NONO MANDAMENTO

Seu propósito: visto que Deus, que é a verdade, abomina a mentira, entre nós se deve cultivar a verdade sem dissimulação. Portanto, a suma é esta: que não prejudiquemos o nome de alguém ou com calúnias e incriminações falsas, ou mentindo façamos dano a seu patrimônio; enfim, não façamos mal a quem quer que seja, pelo desenfreamento da maledicência e da mordacidade. A esta proibição está ligada a injunção a que prestemos a cada um, até onde for viável, fiel assistência na afirmação da verdade, para que se proteja a integridade tanto de seu nome, quanto de suas coisas.

É como se o Senhor quisesse expressar o sentido de seu mandamento nestas palavras: “Não darás guarida a palavra mentirosa, nem unirás tua mão para que, com o ímpio, pronuncies falso testemunho” [Êx 23.1]. De igual modo: “Distanciar-te-ás da falsidade” [Êx 23.7]. Em outro lugar, também, nos adverte contra a mentira não só neste aspecto, dizendo que não sejamos detratores e difamadores no meio do povo [Lv 19.16], mas nem mesmo engane alguém a seu irmão [Lv 19.11], pois acautela contra um e outro em mandamentos específicos. Com efeito, não há dúvida de que, como nos mandamentos precedentes Deus reprimiu a maldade, a impudência, a avareza, assim aqui reprime a falsidade, da qual são duas as facetas, as quais já assinalamos anteriormente. Pois, ou ofendemos a reputação do próximo pela malignidade e pela perversidade de difamar, ou, mentindo, às vezes até injuriando, o privamos dos proventos.

Nenhuma diferença, porém, faz se penses que a referência aqui é a um testemunho solene e tribunalício, ou a um testemunho comum, que é pronunciado em conversas privadas. Porquando se deve recorrer sempre a isto: em cada gênero de transgressões que se propõe uma espécie por paradigma, à qual se apliquem as demais, contudo é, acima de tudo, escolhida aquela em que seja especialmente conspícua a sordidez da transgressão. Entretanto, convém estendê-lo, mais geralmente, às calúnias e detrações perversas com que se estigmatiza iniquamente o próximo, visto que a falsidade de testemunho forense nunca deixa de envolver perjúrio. Quanto aos perjúrios, porém, até onde profanam e violam o nome de Deus, foi suficientemente considerado na porção referente ao terceiro mandamento.

Consequentemente, a legítima observância do mandamento consiste em que, ao declarar a verdade, a língua serve, ou à boa fama, ou aos interesses do próximo. A equidade lhe é mais do que evidente. Ora, se mais precioso do que quaisquer tesouros é o bom nome [Pv 22.1], com detrimento nada menor é um homem despojado da integridade do nome do que de suas riquezas. Mas, ao pilhar-se-lhe o patrimônio, por vezes não se alcança menos pelo falso testemunho do que pela rapacidade das mãos.

A MALEDICÊNCIA E A MORDACIDADE SÃO VIOLAÇÕES DO NONO MANDAMENTO

E, contudo, é de admirar com quão indolente despreocupação, a cada passo, se peca nesta matéria, de tal sorte que raríssimos se acham os que não padeçam notoriamente desta enfermidade. A tal ponto nos deleitamos, por um como que envenenado prazer, seja em procurar descobrir, seja em divulgar as faltas alheias! Nem pensemos ser uma desculpa procedente, se muitas vezes não estamos a mentir. Ora, Aquele que proíbe que seja deturpado pela mentira o nome de um irmão, quer também que se conserve ele ilibado, quanto seja exequível em consonância com a verdade. Porquanto, se de alguma maneira precavenha ele apenas contra a mentira, com isso mesmo, entretanto, acena que ele lhe é objeto de atenção. Com efeito, isto deve nos bastar para que se preserve íntegra ao próximo a reputação: que merece ela consideração da parte de Deus. 

Isso posto, sem a menor dúvida aqui se condena a maledicência. Todavia, por maledicência entendemos não a censura que se faz no empenho de punir faltas; não a acusação ou denúncia judicial, mediante a qual se busca remédio ao mal; não a repreensão pública, que visa a incutir terror a outros pecadores; não a informação em relação àqueles de cuja segurança é de interesse que sejam avisados, para que não incorram em perigo pela falta de conhecimento; ao contrário, é a odiosa incriminação que nasce da maldade e da incontinência de difamar. 

Porque também até este ponto se estende este mandamento: que não afetemos falsa urbanidade e embebida de amargos sarcasmos, mediante os quais, sob a aparência do espirituoso, com mordacidade se trazem à baila os defeitos dos outros, como costumam fazer alguns que procuram granjear o louvor de seus gracejos com a vergonha, e até mesmo o pranto de outros, quando, por vezes, não levemente, infamam os irmãos através de petulância dessa espécie. Ora, se volvermos os olhos para o Legislador, que não tem menos domínio sobre os ouvidos e o coração do que sobre a língua, compreenderemos, sem lugar a dúvidas, que neste mandamento se proíbe não menos ouvir e crer com chistes e acusações, do que proferi-las e ser seus autores. Pois é ridículo se alguém pensa que Deus abomina a doença da maledicência na língua e não desaprova a doença da malignidade na mente. 

Portanto, se há em nós o verdadeiro temor e amor de Deus, diligenciemos, até onde for viável e conveniente, e quanto o admite a caridade, para que não ofereçamos, seja a língua, sejam os ouvidos, a expressões maledicentes e sarcásticas, e não abandonemos, sem razão, a mente a sinuosas suspeitas; pelo contrário, fiéis intérpretes das palavras e atos de todos, conservemos-lhes sinceramente ilibada a honorabilidade, tanto no juízo, quanto nos ouvidos, quanto na língua.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana do Brasil - Curitiba/PR.