“NÃO VOS VINGUEIS A VÓS MESMOS”
“Não vos vingueis a vós mesmos, amados,
mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me
pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12.19).
O mal que o
apóstolo Paulo corrige aqui é mais sério do que o mencionado no versículo 17, “Não torneis a ninguém mal por mal”. E,
no entanto, ambos têm a mesma fonte de origem, ou seja: um amor desordenado
direcionado para si mesmo e um orgulho inerente que nos leva a uma excessiva
indulgência para com nossos próprios erros, enquanto que nos revelamos
intolerantes para como os erros alheios. Visto, pois, que esta enfermidade cria
em quase todos um desejo frenético por vingança, mesmo quando sofrem as mais
leves injúrias, o apóstolo nos ordena, aqui, a não cultivarmos o espírito de
vingança, mesmo quando somos dolorosamente feridos, mas que deixemos a vingança
com o Senhor. E visto que aqueles que uma vez se deixam prender por esta descontrolada
paixão não podem ser dominados com facilidade, ele nos refreia pelo uso de
termos persuasivos, como amados.
O preceito,
pois, consiste em que não devemos cultivar o espírito de vingança, nem vingar as
injúrias que porventura se nos fazem, visto que temos de dar lugar a ira. Dar
lugar à ira consiste em deixar com Deus a autoridade de julgar. Aqueles que
planejam a vingança privam Deus desta autoridade. Se, pois, é errôneo usurpar o
ofício divino, tampouco nos é lícito extorquir dele a vingança, porque, ao
procedermos assim, antecipamos o juízo divino; porquanto Deus quis reservar esse
oficio exclusivamente para si. Ao mesmo tempo, o apóstolo afirma que aqueles
que esperam pacientemente pelo socorro divino deixarão Deus ser seu Vingador,
enquanto que aqueles que antecipam sua vingança não deixam lugar para o seu
socorro.
Aqui, o
apóstolo Paulo não só nos proíbe de tomar a vingança em nossas mãos, mas também
de permitir que nossos corações sejam tentados por este desejo. Fazer aqui
distinção entre vingança pública e privativa é, portanto, supérfluo. A pessoa
que recorre ao auxílio do magistrado com o coração sobrecarregado com o malévolo
desejo de vingança não merece mais escusa do que se engendrasse meios de
executar a vingança com suas próprias mãos. De fato, como veremos a seguir, não
devemos nem mesmo pedir a Deus que nos vingue. Se porventura nossas petições
emanam de nossos sentimentos pessoais, e não do santo zelo do Espírito, não
deixaremos Deus ser nosso Juiz; ao contrário, seremos servos de nossos desejos
corruptos.
Portanto, só
nos é possível dar lugar à ira quando esperamos pacientemente o tempo certo de
nosso livramento, orando nesse ínterim para que aqueles que agora nos trazem
sofrimento se arrependam e se transformem em nossos amigos [e irmãos].
Deus
nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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