“O QUINTO MANDAMENTO”
“Honra a teu pai e a tua mãe, para que tenhas longa vida sobre a terra que o SENHOR, teu Deus, te dá” [Êx
20.12].
TEOR E APLICAÇÃO DO QUINTO MANDAMENTO
A finalidade deste mandamento é: uma vez que
ao Senhor Deus apraz a manutenção
do que dispôs, importa que nos sejam invioláveis os graus de eminência por ele
ordenados. A síntese, portanto, será: que usemos de deferência para com aqueles
que o Senhor nos fez superiores e os tenhamos em honra, em obediência e em
grato reconhecimento. Donde se segue a proibição: que não denigremos nada de
sua dignidade, quer por desdém, quer por contumácia, ou por ingratidão.
Ora, o termo honra assim se
patenteia amplamente na Escritura. Por exemplo, quando o Apóstolo diz [1Tm 5.17] que os presbíteros que presidem bem sejam dignos de dobrada
honra, entende que se lhes deve não somente reverência, mas ainda a remuneração
que seu ministério merece. Mas, visto que este mandamento referente a nossa sujeição aos superiores se põe fortemente em conflito com a
depravação do espírito humano, que por isso é ele
intumescido do anseio de exaltação, a contragosto se deixa sujeitar, foi
proposta por exemplo essa forma de
superioridade a qual, por natureza, é mais para estimar-se e menos para
invejar-se, porque assim podia mais facilmente abrandar e
dobrar nosso ânimo ao hábito de submissão. Logo, o Senhor gradualmente nos
acostuma a toda legítima sujeição mediante essa forma que é a mais fácil de
tolerar-se, uma vez que, de todas, a razão é a mesma.
Com efeito, compartilha seu nome com aqueles a quem atribui eminência,
até onde se faz necessário para que ela seja
preservada. A ele tão-somente convém, segundo a Escritura, os títulos Pai, Deus e Senhor, de modo que, sempre que ouvirmos qualquer um
deles, nosso entendimento seja tocado com o senso de sua majestade. Portanto, aqueles
a quem faz participantres desses títulos ilumina-os como que com uma centelha
de seu fulgor, de sorte que sejam, cada um, dignos de honra em conformidade com
sua posição de eminência. Desse modo, aquele
que nos é pai, é próprio reconhecer
nele algo divinal, porquanto não sem causa é portador do título divino. De
igual modo, aquele que é um príncipe, ou
aquele que é um senhor, tem com Deus alguma comunhão de honra.
O PRINCÍPIO GERAL, ILUSTRADO
NA REVERÊNCIA PARA COM OS PAIS
Em vista desse fato, não deve ser ambíguo que o Senhor aqui estatui uma
regra universal, isto é, conforme tomamos conhecimento de que, por sua ordenação, alguém nos foi posto como
superior, que o honremos com reverência, obediência e reconhecimento, e com
quantas formas de servi-lo pudermos. Nem vem ao caso se aqueles a quem esta honra se defere são dignos ou indignos,
porquanto, não importa o que sejam, afinal não alcançaram esta posição,
entretanto, sem a providência de Deus,
em função da qual o próprio Legislador quis que fossem honrados.
Contudo, preceituou expressamente acerca da reverência de nossos pais, que nos trouxeram a esta vida,
com o que nos deve ensinar, de certa maneira, a própria natureza. Pois são
monstros, não seres humanos, os que infringirem o poder paterno por desrespeito
ou insubordinação! Por isso, o Senhor ordena que sejam mortos todos os
insubmissos aos pais, como indignos do benefício da luz, já que não reconhecem àqueles
por cuja obra a têm alcançado.
E, de fato, de variadas complementações da lei se evidencia ser
verdadeiro o que acabamos de assinalar, ou,
seja: que há três expressões da honra de que aqui se fala, a saber: reverência, obediência e reconhecimento. A
primeira dessas, a reverência, o
Senhor a sanciona quando preceitua que seja entregue à morte aquele que maldisser ao pai ou à mãe [Ex
21.17; Lv 20.9; Pv 20.20], uma vez que aí castiga o menosprezo e a insolência. A segunda, a obediência, sanciona-a quando decreta a pena de morte
contra os filhos contumazes e rebeldes [Dt 21.18-21]. Diz respeito à terceira a gratidão ou reconhecimento, o
que Cristo diz: que é do mandamento de Deus
que façamos o bem a nossos pais [Mt 15.4-6]. E quantas vezes Paulo faz menção
deste mandamento, entende que nele se requerer obediência [Ef 6.1-3; Cl3.20].
A PROMESSA ANEXA AO QUINTO
MANDAMENTO
Anexa-se a promessa, à guisa de recomendação,
para que mais advirta quão agradável é a Deus a submissão que aqui se nos
prescreve. Ora, Paulo aplica este aguilhão a espicaçar-nos o torpor,
quando diz que este é o primeiro mandamento com promessa [Ef 6.2], se bem que a
promessa que a precedeu na primeira tábua não foi especial e exclusiva de um
mandamento único, mas, ao contrário, se estendia
a toda a lei.
Na verdade, esta promessa deve ser assim entendida: o
Senhor estava falando privativamente aos israelitas a respeito da terra que
lhes havia prometido em herança. Portanto, se a posse da terra era um penhor da
benignidade divina, não nos admiremos se o Senhor quisesse atestar sua graça em
prometendo longevidade devida, mediante a qual acontecia que se colhesse o
fruto diário de seu benefício. Logo, o sentido é: “Honra a teu
pai e a tua mãe, para que,
pela longa extensão da vida, te seja concedido fruir duradouramente desta posse
da terra que te haverá de ser por testemunho de minha graça”.
Ademais, porque a terra toda foi abençoada para os fiéis, com razão
contamos a presente vida entre as bênçãos de Deus. Por isso, esta promessa diz
respeito, de igual modo, a nós, isto é, na medida em que a duração da presente
vida nos é um atestado da divina benevolência. Pois, não é ela prometida a nós,
ou foi prometida aos judeus, como se em si contivesse bem-aventurança, mas
porque aos piedosos é costumeiramente um sinal da divina complacência.
Isto posto, se acontece, o que não é raro, que um filho obediente aos
pais é arrebatado à vida antes da idade madura, a despeito disso está o Senhor
a perseverar persistentemente no cumprimento de sua promessa, não menos que se
contemplasse com cem geiras de terra aquele a quem havia prometido apenas uma.
Tudo nisto se situa: que reflitamos ser prometida vida longa até onde ela é uma bênção de Deus, que é, de fato, uma
bênção até onde é evidência da graça divina, que ele atesta a seus servos, e deveras o demonstra,
infinitamente mais copiosa e substancialmente, pela morte.
A MALDIÇÃO IMPLÍCITA NA DESOBEDIÊNCIA
AO QUINTO MANDAMENTO E QUALIFICAÇÃO
DA OBEDIÊNCIA REQUERIDA
Ademais, enquanto o Senhor promete a bênção da presente vida aos filhos
que tenham honrado aos pais com a consideração que convém, ao mesmo tempo acena
que mui certa maldição defronta a todos os filhos
contumazes e desobedientes. Para que isto não careça de execução, mediante sua
lei pronuncia-os passíveis à sentença de morte e a respeito deles manda que se exerça punição. Se escapam ao
juízo, ele próprio lhes provê o castigo, de qualquer modo que
seja. Pois vemos quão grande número desta espécie de homens perece ou em
combates ou em rixas; outros, porém, são afligidos de maneiras insólitas;
quase todos são por prova de que esta ameaça não é vã. Se bem que há os que escapam até extrema velhice. Uma
vez que, privados da bênção de Deus, nesta
vida vegetam nada menos que miseravelmente e se reservam para maiores
castigos no futuro, mui longe está de que se façam participantes da bênção
prometida aos filhos piedosos.
Mas, isto deve ser também assinalado de passagem: que se nos ordena
obedecer-lhes somente no
Senhor [Ef 6.1]. Nem equivale isto obscurecer o fundamento previamente
lançado, pois eles têm autoridade sobre nós enquanto Deus os tiver estabelecido
nela, comunicando-lhes uma parte da honra que lhe é devida. Portanto, a sujeição que para com eles é
exibida deve ser um passo para que o Pai Supremo seja contemplado com essa
honra. Portanto, se nos instigam à transgressão da lei, então, com justiça, não
devem ser por nós tidos por pais,
mas por estranhos, que nos estão tentando afastar da obediência do
verdadeiro Pai. Assim se deve considerar em relação aos príncipes, aos senhores
e a todo gênero de superiores nossos.
Pois seria coisa indigna e fora de razão que sua autoridade seja exercida para
rebaixar a alteza e majestade de Deus; já que, dependendo da autoridade divina
deve guiar-nos e encaminhar-nos a ela.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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