“SE NOS JULGÁSSEMOS A NÓS MESMOS”
“Porque, se
nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” (1 Co 11.31).
Eis aqui uma
notável afirmação, ou seja: que Deus não fica irado conosco repentinamente,
punindo-nos tão logo erramos, mas, na maioria das vezes, é em razão de nossa
negligência que ele se vê forçado a punir-nos, ou seja, quando nota que estamos
despreocupados e apáticos, ludibriando-nos a nós mesmos em relação aos nossos
pecados. Por isso, desviaremos de nós ou mitigaremos os castigos que nos
ameaçam, se antes de tudo fizermos um balanço de nós mesmos e, sinceramente
arrependidos, desviarmos a ira de Deus por meio de orações sinceramente a ele
dirigidas, inflingindo-nos punições, de nosso próprio arbítrio. Numa palavra,
os crentes, evitam o juízo divino por meio de penitência [arrependimento
ativo]; e o único antídoto pelo qual podem obter absolvição aos olhos de Deus é
através da autocondenação espontânea.
Entretanto,
você não deve deduzir (como geralmente o fazem os falsos mestres) que há uma espécie de transação entre nós e Deus, nesta conexão, de modo que, ao
infligirmos punição a nós mesmos, de nossa própria iniciativa, fazemos
compensação a ele, e em certo sentido nos redimimos a nós mesmos debaixo de sua
mão. Portanto, não desviamos o juízo de Deus antecipadamente só porque trazemos
algo de natureza compensatória, que o possa apaziguar. A razão é que quando
Deus nos pune, a sua intenção é sacudir-nos de nossa letargia e incitar-nos à
penitência. Se procedermos assim, de nosso próprio arbítrio, então não existe
mais razão para ele prosseguir exercendo seu juízo contra nós. Porém, se alguém
que já aprendeu a viver insatisfeito consigo mesmo e a praticar penitência se
vê ainda, não obstante, perseguido pelo azorrague divino, devemos deduzir disso
que seu arrependimento não é tão completo e tão forte que se exima da
necessidade de alguma reprovação a ajudá-lo a desenvolvê-la ainda mais. Note-se
como o arrependimento estanca o juízo divino como um antídoto eficaz, mas não
como algo que o substitua.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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