“RECEBI TUDO E TENHO EM ABUNDÂNCIA”
“Não que eu
procure o donativo, mas o que realmente me interessa é o fruto que aumente o
vosso crédito. Recebi tudo e tenho em abundância; estou suprido, desde que
Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave,
como sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Fp 4.17,18).
Não que eu procure o donativo. Uma vez mais o
apóstolo Paulo repele uma opinião desfavorável que porventura fosse formulada
pela cobiça imoderada, para que não presumissem que fosse uma insinuação
indireta, como se devessem sozinhos postar-se no lugar de todos, e como se ele
abusasse da bondade deles. Por conseguinte, ele declara que não buscara tanto
sua vantagem pessoal quanto à deles. “Enquanto recebo de vós”, diz ele, “há em
proporção muita vantagem que redunda em vosso favor; pois há tantos artigos que
podereis considerar como sendo transferidos para a lista de contas.” O significado
desta palavra está conectado com a similitude previamente empregada de troca ou
compensação em questões pecuniárias.
Recebi tudo e tenho em abundância. Paulo declara em termos mais explícitos que por ora tem o que é
suficiente, e honra a liberalidade deles com um notável testemunho, dizendo que
tem em abudância. Indubitavelmente, o que enviaram foi uma soma moderada,
mas ele diz que por meio dessa soma moderada ele se saciou. No entanto, é um
enaltecimento mais excelente o que ele outorga à dádiva no que segue, quando a chama de um “sacrifício aceitável e apresentado como aroma suave”. Porque, que coisa
melhor se pode desejar do que nossos atos de bondade sejam [considerados]
ofertas santas que Deus recebe de nossas mãos, e com cuja doce fragrância ele
se deleita? Pela mesma razão, Cristo diz: “Sempre que o fizestes a um destes
meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes” [Mt 25.40].
A semelhança de sacrifícios, contudo, adiciona muita ênfase,
pela qual somos ensinados que o exercício do amor que Deus nos impõe não é
meramente um benefício conferido ao homem, mas é também um serviço espiritual e
sagrado que é prestado a Deus, como lemos na Epístola aos Hebreus: que ele “se
agrada com tais sacrifícios” [Hb 13.16]. Ai de nossa indolência! - a qual
transparece nisto: que enquanto Deus nos convida com tanta bondade à honra do
sacerdócio, e ainda põe sacrifícios em nossas mãos, não obstante não lhe
oferecemos sacrifício, e aquelas coisas que foram separadas por oblações
santas, não só gastamos com usos mundanos, mas esbanjamo-las impiamente nas
contaminações mais sujas. Pois os altares nos quais os sacrifícios de nossos
recursos devem ser apresentados são os pobres e os servos de Cristo. Ao
negligenciarem estes, alguns esbanjam seus recursos com todo gênero de luxo, outros
com deleite gastronômico, outros com vestuário imoderado, outros com casas
gigantescas.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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