“De fato, sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que
aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador
dos que o buscam” (Hb 11.6).
A segunda cláusula consiste nisto: que devemos estar plenamente
persuadidos de que não se pode buscar a Deus em vão, convicção esta que inclui
a esperança da salvação e a vida eterna. Ninguém terá seu coração preparado
para buscar a Deus, a menos que perceba profundamente uma manifestação da divina
munificência compelindo-o a esperar dele a salvação. Onde nenhuma salvação se
evidencia, ou fugiremos de Deus, ou não o levaremos em consideração. Devemos
ter sempre em mente que tal coisa tem de ser crida e não meramente imaginada,
porquanto até mesmo os incrédulos podem às vezes alimentar tal noção; todavia,
não se aproximam de Deus, visto que não podem contar com aquela fé genuína e
sólida. Eis a segunda parte da fé, pela qual obtemos graça diante de Deus:
quando nos sentimos seguros de que nossa salvação repousa nele.
Muitos são aqueles que pervertem insidiosamente esta cláusula, deduzindo
dela os méritos das obras e a doutrina da salvação que delas provém. Eis o seu raciocínio:
“Se agradamos a Deus pela fé, porque cremos que ele é o Galardoador, então
segue-se que a fé leva em conta o mérito das obras”. Tal erro não poderia ser melhor
refutado do que encarando a maneira de o buscar; pois todo aquele que se desvia
desse caminho não pode ser considerado como que a buscar a Deus. A Escritura
estipula que o caminho certo de se buscar a Deus consiste em que a pessoa que
se vê prostrada, ferida, com a acusação de morte eterna e totalmente
desesperada, deve fugir para Cristo como o único refúgio de salvação. Em parte
alguma encontraremos que os méritos das obras devam nos conduzir a Deus com o
fim de granjearmos seu favor. Aqueles que honestamente defendem esse princípio
de se buscar a Deus não encontrarão nenhuma dificuldade, visto que o galardão
refere-se não à dignidade ou ao prêmio das obras, mas à fé.
Isso liquida os frios arrazoados dos sofistas que dizem que agradamos a
Deus através da fé por que merecemos quando nossa intenção é agradá-lo. A
intenção do apóstolo é conduzir-nos muito mais alto, para que a própria consciência
humana se convença de forma inabalável de que buscar a Deus não é um propósito
fútil. Isso certamente sobrepuja muitíssimo a tudo quando podemos apreender
para nós mesmos, especialmente quando alguém o aplica em termos pessoais. Que
Deus é o Galardoador dos que o buscam é algo que não deve ser considerado em
termos abstratos, mas cada um de nós, individualmente, deve aplicar a si mesmo
as vantagens e os benefícios desta doutrina, para que saibamos que Deus tem
cuidado de nós; que ele se preocupa tanto com nossa salvação que jamais se
afastará de nós; que nossas orações são ouvidas por ele e que ele será sempre o
nosso infalível Libertador. Visto que nenhuma dessas coisas nos vem senão por
meio de Cristo, necessário se faz que nossa fé o tenha sempre em consideração e
que repouse unicamente nele.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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