“OS PECADOS DE ALGUNS HOMENS SÃO NOTÓRIOS”
“Os pecados de
alguns homens são notórios e levam a juízo, ao passo que os de outros só mais
tarde se manifestam” (1Tm 5.24).
Nada é mais
desgastante para os fiéis ministros da Igreja do que não encontrar um meio de
corrigir os males, a serem obrigados a suportar os hipócritas, cuja
perversidade se faz notória, a se sentirem incapazes de excluir da Igreja os
muitos que se constituem em peste nociva, ou mesmo impedi-los de espalhar sua
peçonha através de suas artes secretas. E assim Paulo consola a Timóteo com
esse lenitivo, ou seja, que algum dia, quando aprouver a Deus, serão citados
publicamente. Dessa forma o apóstolo o confirma na paciência, pois ele deveria
tranquilamente aguardar o tempo certo, o qual Deus, em sua sabedoria, preordenou.
Há outro tipo
de conduta vil que aflige dolorosamente os bons e santos pastores, a saber,
depois de terem conscientemente desempenhado seus deveres, ainda são provocados
por críticas inúmeras e injustas; são objetos da má vontade e descobrem que as
ações que deveriam merecer louvor são na verdade vituperadas. Paulo trata disso
também, ao dizer a Timóteo que há algumas boas obras que só virão à luz muito
depois. Por conseguinte, se o louvor a elas devido é, por assim dizer,
sepultado nas profundezas da terra, em virtude da ingratidão humana, também
isso deve ser suportado pacientemente até que chegue o tempo de sua
manifestação.
Mas Paulo
provê mais de um antídoto para esses males. Às vezes fracassamos na escolha de
ministros, pois os homens indignos penetram pela astúcia, enquanto que os
homens certos nos são desconhecidos; ou, ainda que o nosso juízo seja correto,
não podemos obrigar outros a aceitarem o nosso juízo, de modo que os melhores
homens são rejeitados, a despeito de todos os nossos esforços, e os maus se
introduzem com astúcia ou vencem pela força. Em tais circunstâncias, o estado
da Igreja, e a nossa própria situação, inevitavelmente geram em nós uma
profunda ansiedade. O apóstolo faz um vigoroso esforço por remover, ou pelo
menos atenuar, essa causa de ofensa. Sua intenção pode ser sumariada assim: “As
coisas que não podem ser imediatamente corrigidas, pelo menos devem ser
suportadas; devemos sofrer e gemer até que chegue o tempo de aplicar o antídoto;
e não devemos usar a força para extirpar as doenças, mas esperar que estejam
maduras ou se exponham à vista. Por outro lado, quando a virtude não conquista
a devida recompensa, devemos aguardar o tempo pleno da revelação, tolerar a
estupidez do mundo e quedar-nos tranquilamente em meio às trevas, até que raie
a autora”.
Quando Paulo diz: “Os pecados de
alguns homens são notórios”, sua intenção é que são logo descobertos e vêm
ao conhecimento dos homens, por assim dizer, antecipadamente. Ele diz a mesma
coisa, de uma forma diferente, quando acrescenta que eles correm ou se apressam
para o seu juízo. Vemos muitas pessoas que se lançam precipitadamente e de sua
própria iniciativa trazem condenação sobre si próprias, ainda que o mundo
inteiro queira salvá-las. Sempre que tal coisa aconteça, lembremo-nos de que os
réprobos são impelidos para sua própria ruína pela secreta instigação da
providência divina.
“Ao passo que os de outros só mais
tarde se manifestam”. Paulo
havia dito que os pecados de alguns se apressam celeremente para o seu juízo, e
agora acrescenta o reverso, dizendo que os pecados de alguns só depois são descobertos,
ou seja, que embora os pecados dos homens sejam ocultos mais do que
gostaríamos, e vêm a lume só mais tarde, todavia não ficam ocultos para sempre,
eles terão o seu próprio tempo; que embora a vingança de Deus não se apresse,
ela vem lentamente depois.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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