“EM TODAS AS COISAS, SE TORNASSE SEMELHANTE AOS IRMÃOS”
“Por isso mesmo, convinha que, em todas as
coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo
sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados
do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo
sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb 2.17,18).
Na natureza humana de Cristo há duas coisas a serem consideradas, ou seja: a essência da carne e as afeições. O apóstolo, pois, ensina que ele se vestiu não só da própria carne humana, mas também de todas as afeições que são inerentes ao homem. Ele mostra também os frutos que nos advêm daí e qual o legítimo ensino de fé, quando sentimos em nós próprios por que o Filho de Deus tomou sobre si nossas enfermidades. Sem tais frutos, todo o nosso conhecimento seria frio e morto. Ele prossegue ensinado que Cristo se fez sujeito às paixões humanas “para que pudesse ser misericordioso e fiel sumo sacerdote”. Tomo essas palavras no seguinte sentido: “para que pudesse ser misericordioso e, portanto, fiel”. Para um sacerdote, cuja função era apaziguar a ira de Deus, socorrer os desventurados, restaurar os caídos, libertar os oprimidos, seu primordial e extremo requisito era demonstrar misericórdia e criar em nós tal senso de comunhão. Pois é muito raro que aqueles que vivem sempre afortunadamente simpatizem com os sofrimentos alheios.
O Filho de Deus não tinha necessidade de
passar por alguma experiência a fim de conhecer pessoalmente a emoção da
misericórdia. Entretanto, ele jamais nos teria persuadido de sua bondade e
prontidão em socorrer-nos, não fosse ele provado pelos nossos próprios
infortúnios. E tudo isso ele nos concedeu como favor. Portanto, quando toda
sorte de males nos sobrevém, que isso nos sirva de imediata consolação, a
saber: que nada nos sobrevém sem que o Filho de Deus já não o tenha
experimentado em si próprio, para que pudesse ser-nos solidário. Nem duvidemos
de que ele está conosco como se ele mesmo sofresse a nossa mesma dor.
“Fiel” significa
verdadeiro e justo. É o oposto de um impostor ou alguém que não cumpre o seu
dever. A experiência de nosso infortúnio faz de Cristo Alguém tão pleno de
compaixão que o move a implorar o auxílio divino em nosso favor. Que mais
podemos desejar? Para fazer expiação por nossos pecados, ele se vestiu de nossa
natureza, para que pudéssemos ter em nossa própria carne o preço de nossa
reconciliação. Em uma palavra, para que pudesse nos levar consigo para dentro
dos santos dos santos de Deus em virtude de nossa comum natureza. Pela frase, as coisas pertencentes a Deus, o autor
quer dizer as coisas que têm o propósito de reconciliar os homens com Deus.
Visto que a liberdade que emana da fé é a primeira via de acesso a Deus,
carecemos de um Mediador que remova todas as incertezas.
Naquilo que Ele
mesmo sofreu. Havendo Cristo experimentado nossos males, está, portanto, a
prover-nos de seu auxílio. Tentação,
aqui, significa simplesmente experiência ou provação; e poderoso significa ser apto, ou inclinado, ou idôneo, ou preparado.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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