“NÃO ME ESCONDAS, SENHOR, A TUA FACE”
“Não me escondas, SENHOR, a tua face, não rejeites com ira o teu servo; tu és o meu auxílio, não me recuses, nem me desampares, ó Deus da minha salvação” (Sl 27.9).
O salmista Davi elegantemente prossegue na mesma forma de linguagem, mas com um significado diferente.
A face de Deus é agora
empregada para descrever os efeitos sensíveis de sua graça e favor; como se
houvesse dito: Senhor, faz-me realmente experimentar que estás sempre perto de
mim e me permites claramente contemplar teu poder em me salvar. Que observemos
bem a distinção entre o conhecimento teórico derivado da Palavra de Deus e o
que é denominado de conhecimento experimental de sua graça. Pois visto como
Deus se revela presente em ação (como costuma-se dizer), ele deve ser
primeiramente buscado em sua Palavra. A cláusula que se segue: não rejeites com ira o teu servo, alguns intérpretes judeus
apresentam uma forma muito forçada, ou seja: Não permitas que teu servo seja
imerso nas ímpias preocupações deste mundo, as quais nada são senão ira e
loucura. Eu, contudo, prefiro traduzir o termo hebraico como muitos o traduzem,
a saber: voltar-se de, ou afastar-se. Seu significado é mais
provável interpretado assim: Não deixes teu servo inclinar-se para a ira.
Quando uma pessoa é completamente abandonada por Deus, ela não pode fazer nada além
de ser agitada em seu íntimo por pensamentos murmurantes, irrompendo-se em manifestações
de desprazer e ira. Se alguém porventura concluir que Davi agora antecipa esta
tentação, não objeto, pois não era sem razão que ele se visse acometido de
impaciência, a qual nos enfraquece e nos faz ir além dos limites da razão.
Quanto a mim, porém, sigo a primeira explicação, confirmada pelas duas palavras
que se seguem; e assim o termo ira introduz uma tácita confissão de
pecado; porque, embora Davi reconheça que Deus poderia, com razão, deixá-lo
cair, ele deplora sua ira. Além do mais, ao recordar dos primeiros favores de
Deus, ele se anima na esperança de receber mais, e com este argumento convence
a Deus a continuar com seu auxílio e a não deixar sua obra incompleta.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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