“NA TUA PRESENÇA HÁ PLENITUDE DE ALEGRIA”
“Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude
de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Sl 16.11).
O salmista Davi
confirma a afirmação feita no versículo 10, e explica o modo como Deus o
isentará da escravidão da morte, ou seja, conduzindo-o e trazendo-o finalmente
a salvo à posse da vida eterna. Desse fato uma vez mais aprendemos o que já
observei, ou seja, que esta passagem toca na diferença que há entre os verdadeiros
crentes e os forasteiros ou réprobos, com respeito ao seu estado eterno. É mero
discurso enganoso dizer que, quando Davi, aqui, fala de a vereda da vida lhe
sendo mostrada, significa o prolongamento de sua vida natural. Aliás, falar de
Deus como guia de seu povo na vereda da vida apenas por uns poucos anos neste
mundo é uma forma muito pobre de avaliar sua graça. Nesse caso, eles não
difeririam em nada dos réprobos, os quais desfrutam da luz do sol da mesmíssima
forma que eles [os santos], Se, pois, é a graça especial de Deus não comunicar
o conhecimento da vereda da vida, da qual ele fala, a ninguém mais, senão a
seus próprios filhos, a quem Davi aqui magnifica e exalta, então indubitavelmente
ela deve ser vista como que se estendendo também à bendita imortalidade; e de
fato só conhece a vereda da vida aquele que está unido a Deus e que vive em
Deus, e não pode viver sem ele.
A seguir Davi
acrescenta que, quando Deus se reconcilia conosco, temos todas as coisas que
nos são necessárias para a perfeita felicidade. A frase, na tua presença, pode ser entendida ou de sermos vistos por Deus ou de ele ser
visto por nós. Quanto a mim, porém, considero ambas as ideias como inclusas
reciprocamente, pois seu favor paternal, o qual ele exibe olhando para nós com um
semblante sereno, precede essa alegria, e é a causa primeira dela, e no entanto
isso ainda não nos alegra, de nossa parte, até que o vejamos resplandecente sobre
nós. Com essa cláusula Davi pretendia também distintamente expressar a quem
tais delícias pertencem, dos quais Deus
tem em sua mão uma plena e superabundante plenitude. Visto que com Deus há prazeres suficientes para reabastecer e
satisfazer o mundo inteiro, donde procede toda a escuridão sinistra e mortal
que envolve a maior parte da humanidade, senão porque Deus não olha para todos
os homens igualmente com seu semblante amigo e paterno, nem abre os olhos de
todos os homens para que busquem a essência de sua alegria nele, e em nenhum
outro?
Plenitude de
alegria é contrastada com fascinações
e prazeres evanescentes deste mundo transitório, o qual, depois de ter
divertido seus miseráveis adeptos por algum tempo, por fim os deixa
insatisfeitos, famintos e decepcionados. Podem intoxicar-se e empanturrar-se de
prazeres até à máxima saciedade, mas, em vez de se sentirem satisfeitos, ao
contrário se tornam cansados deles com profunda repugnância. Além disso, os
prazeres deste mundo se desvanecem como sonhos. Davi, pois, testifica que a
verdadeira e sólida alegria, na qual as mentes dos homens podem repousar,
jamais será encontrada em alguma outra parte senão em Deus. Portanto, ninguém
mais além dos fiéis, que vivem contentes só com a graça divina, podem viver
real e perfeitamente felizes.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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