“OUVE-ME AS VOZES SÚPLICES, QUANDO A TI CLAMAR POR SOCORRO”
“Ouve-me as vozes súplices, quando a ti clamar por socorro, quando erguer as mãos para o teu
santuário” (Sl 28.2).
Esta petição é
emblema de um coração em angústia. O ardor e veemência de Davi em oração são
também demonstrados pelo expressivo substantivo voz e pelo expressivo
verbo clamar. Quer dizer que estava tão abalado pela ansiedade e medo,
que orava não com frieza, mas com ardor, com veemente desejo, como aqueles que,
sob a pressão da tristeza, gritam com veemência. Na segunda cláusula do
versículo, fazendo uso de sinédoque, a coisa significada é indicada pelo sinal.
Tem sido uma prática comum, em todos os tempos, pessoas erguerem suas mãos em oração.
A natureza tem criado esse gesto, até mesmo nos idólatras pagãos, para mostrar
por meio de um sinal visível que suas mentes eram dirigidas somente para Deus.
A maioria, é verdade, se satisfaz com a mera cerimônia, esforçando-se por não
serem afetados com suas próprias invenções; mas o próprio ato de erguer as
mãos, quando não há hipocrisia e fraude, é um auxílio para a oração devota e
zelosa. Davi, contudo, não diz aqui que ele erguia suas mãos para o céu, e,
sim, para o santuário por meio do qual, auxiliado por sua proteção, ele podia
ascender mais facilmente ao céu. Ele não estava tão grosseira ou tão
supersticiosamente ligado ao santuário externo, como se não soubesse que devia
buscar a Deus espiritualmente e que os homens então só se aproximam dele
quando, deixando o mundo, pela fé penetram a glória celestial. Recordando, porém,
que ele era homem, Davi não negligenciaria tal auxílio oferecido à sua
enfermidade. Como o santuário era o penhor ou emblema do pacto de Deus, Davi
via ali a presença da prometida graça de Deus, como se ela fosse representada num
espelho; justamente como os fiéis agora, se desejam ter a percepção da
proximidade de Deus com eles, imediatamente dirigem sua fé para Cristo, que
desceu a nós em sua encarnação para que pudesse elevar-nos ao Pai.
Compreendamos, pois, que Davi subia ao santuário com nenhum outro propósito senão
que, pelo auxílio da promessa divina, pudesse pairar acima dos elementos do
mundo, os quais ele usava, contudo, segundo as determinações da lei. O termo
hebraico, o qual traduzimos por santuário, significa a sala interior do tabernáculo
ou templo, ou o lugar santíssimo, onde se encontrava a arca do concerto, e é
assim chamado proveniente das respostas ou oráculos que Deus revelava dali, com
o fim de testificar a seu povo a presença de seu favor entre eles.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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