“INCLINA-ME OS OUVIDOS, LIVRA-ME DEPRESSA”
“Inclina-me os
ouvidos, livra-me depressa; sê o meu castelo forte, cidadela fortíssima
que me salve. Porque tu és a minha rocha e a minha fortaleza; por
causa do teu nome, tu me conduzirás e me guiarás. Tirar-me-ás do laço que, às
ocultas, me armaram, pois tu és a minha fortaleza” (Sl 31.2-4).
Estas palavras
expressam com quanto ardor a alma de Davi se animava a orar. Ele descreve com figuras próprias a veemência de seu desejo. Ao orar para que fosse
libertado depressa, demonstrava a agudeza do perigo que o cercava, como se
quisesse dizer: Logo todos se assenhorearão de minha vida, a não ser que Deus
se apresse em socorrer-me. Com as palavras, castelo forte, fortaleza e rocha, ele notifica que, sendo-lhe impossível resistir a seus inimigos,
sua esperança repousa unicamente na proteção divina.
Davi,
ao exclamar esta reflexão, se anima não só a orar com intensidade, mas também a
nutrir confiante esperança de obter o que solicita. Sabemos, em todos os casos,
que é um hábito dele misturar tais elementos em suas orações, como se quisesse
remover suas dúvidas e confirmar sua certeza. Havendo, pois, expresso sua
necessidade, ele se assegura, com o fim de encorajar-se e animar-se, de que sua
oração, com toda certeza, receberá uma resposta feliz. Ele havia dito: Sê tu minha forte rocha
e minha fortaleza; e agora adiciona: Com toda certeza tu és
minha rocha e minha fortaleza; notificando
que não emitira estas palavras temerariamente, como fazem os incrédulos que,
embora estejam acostumados a exigir muito de Deus, são mantidos em suspenso
pelos eventos terríveis e incertos. Deste fato ele extrai outro encorajamento,
a saber: que terá Deus por seu guia e líder durante todo o curso de sua vida.
Ele usa dois termos: conduzir e guiar, para expressar a mesma coisa, e faz isso (pelo menos assim o
explico) por conta dos vários acidentes e das vicissitudes desiguais pelas
quais os homens vivem e são provados, como se quisesse dizer: Se tenho de subir
às montanhas mais íngremes ou labutar por regiões ásperas ou andar entre os
espinheiros, confio que serás o meu Guia constante. Além do mais, como os
homens sempre encontram em si mesmos motivos para dúvida, caso olhem para seus
próprios méritos, Davi expressamente pede a Deus que se convença a socorrê-lo por amor de seu próprio
nome, ou em consideração à sua própria glória, visto que,
propriamente falando, não existe nenhum outro motivo que o induza a
socorrer-nos. É preciso, pois, ter em mente que o nome de Deus, que se opõe a todo e qualquer mérito [humano], é a única
causa de nossa salvação.
No versículo quatro,
sob a metáfora de um laço, tudo
indica que Davi está a designar as ciladas e artifícios com que seus inimigos o
enredavam. Sabemos que se engendravam frequentes inspirações contra sua vida,
as quais não lhe deixavam lugar algum de escape; e como seus inimigos eram
profundamente hábeis em matéria de sagacidade, e odiavam-no com inconcebível
furor, e ardentemente buscavam sua destruição, era-lhe impossível desvencilhar-se
deles por qualquer poder humano. Por essa razão ele chama Deus minha força; como se quisesse dizer: Unicamente ele é suficiente para
desmantelar todas as ciladas nas quais ele vê seu aflito povo enleado.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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