“CERTAMENTE RETRIBUIRÁS A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS”
“A ti também,
Senhor, pertence a misericórdia; pois certamente retribuirás a cada um segundo as suas obras” (Sl 62.12).
O salmista adiciona: Certamente retribuirás a cada um segundo as suas
obras. E aqui Davi apresenta o que disse para ter ainda mais perto o
ponto que estabeleceria, declarando que o Deus que governa o mundo por sua
providência o julgará com justiça. A expectativa disto, devidamente apreciada,
terá um feliz efeito na disposição de nossa mente, acalmando a impaciência e
restringindo qualquer disposição ao ressentimento e retaliação em face de nossas
injúrias. Ao colocar a si e aos outros diante do tribunal de Deus, ele anima
seu coração na esperança daquele livramento que era iminente e se convence a
desprezar a insolente perseguição de seus inimigos, ao considerar que toda obra
humana terá que entrar em juízo diante daquele que, para cessar de ser Juiz,
teria que negar-se a si mesmo. Podemos, pois, descansar seguros, por mais graves
sejam nossos erros, ainda que os ímpios nos considerem o lixo e o refugo de
todas as coisas, que o Deus que é testemunha do que sofremos se interporá no
devido tempo e não frustrará nossa paciente expectativa. A luz desta passagem e
de outras semelhantes, os hereges tiram argumento em defesa de sua doutrina de
que a justificação e a salvação dependem das boas obras. Já expus, porém, a falácia
de seu raciocínio. Aqui não se faz menção por mais que lancem mão desta expressão
como equivalente a uma afirmação de que Deus galardoa os homens com base nos méritos.
É com um desígnio muito diferente, e não para encorajar tal opinião, que o Espírito
promete galardoar nossas obras, ou seja: para animar-nos nas veredas da obediência,
e não para inflamar aquela ímpia autoconfiança que corta a salvação pelas próprias
raízes.
Segundo o juízo que Deus forma das obras do crente, sua
dignidade e valor dependem primeiro do perdão gratuito a ele estendido como
pecador, e mediante o qual ele é reconciliado com Deus; seus préstimos, não
obstante todas as suas imperfeições. Sabemos não haver nenhuma de nossas obras
que, à vista de Deus, seja considerada perfeita ou pura e sem qualquer mácula
de pecado. Qualquer recompensa que porventura recebam, deve, pois, ser atribuída
à benevolência divina. Visto que as Escrituras prometem um galardão aos santos,
com a única intenção de estimular suas mentes e encorajá-los no divino combate,
e não com o mais remoto desígnio de detrair algo da misericórdia divina, é
absurdo que os hereges aleguem que eles, em algum sentido, merecem o que lhes é
concedido. No que respeita aos ímpios, ninguém disputará que o castigo que lhes
é retribuído, como violadores da lei, é estritamente merecido.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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