“ABENÇOAM COM SUA BOCA, MAS INTIMAMENTE AMALDIÇOAM”
“Todavia se consultam
em como derrubá-lo de sua dignidade; deleitam-se com mentiras; abençoam com
sua boca, mas intimamente amaldiçoam” (Sl 62.4).
Davi, por um lado, se animava, determinando consigo mesmo descansar
imperturbavelmente na promessa do favor divino; por outro lado, porém, ele
tinha diante de si as maquinações de seus inimigos, caracterizadas pela
crueldade, audácia, soberba e fraude. É como se dissesse que, por todas as suas
tentativas, não faziam outra coisa senão antecipar sua própria queda; todavia,
tal era seu frenesi e a fúria com que agiam, que persistiam em suas intrigas
contra mim. Ele insinua que seus ataques eram dirigidos, não apenas contra ele,
mas sobretudo contra Deus - de acordo com o quadro que se nos exibe pelos
poetas em suas fábulas da impiedade dos gigantes. Nada satisfará os inimigos de
Deus, a não ser estabelecer-se acima dos céus. Davi deve ser entendido como que
primariamente falando aqui de si próprio na terceira pessoa, porém de si como
expressamente elevado pela mão divina. Consequentemente, uma vez que podemos
considerar como sendo Deus a parte diretamente pretendida, o escopo das
palavras comunica, antes, que eles almejavam a ruína de alguém a quem Deus
exaltara, e desejavam ser tidos em honra. E assim, ao tentarem contrariar o
propósito divino, na verdade estavam lutando contra Deus. A cláusula que se
segue, deleitam-se com mentiras, apontam para a mesma coisa. Recusando
reconhecer a divina vocação do salmista, perseveravam em obedecer a esses desígnios
corruptos, quando apenas os faziam recuar em confusão, segundo a exclamação do
salmista: “O vós, filhos dos homens,
até quando minha glória será objeto de vossa infâmia? Até quando amareis a vaidade
e buscareis a mentira?” [SI 4.2], Ou a expressão poderia denotar as medidas
secretas e fraudulentas que adotavam em sua perseguição contra este santo de
Deus; pois se acrescenta imediatamente que abençoavam com sua boca, mas intimamente amaldiçoavam. Qualquer que seja o significado, é evidente que Davi, contemplando
todas as traições, intrigas e perversidades de seus inimigos, se apoia numa só
consideração, ou seja, que seu socorro estava em Deus, e que toda e qualquer
instrumentalidade opositora que porventura surgisse, não passaria de fútil
tentativa.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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