“SOU GRATO PARA COM AQUELE QUE ME FORTALECEU”
“Sou grato para com
aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel,
designando-me para o ministério” (1Tm 1.12).
Sublime é a dignidade
do apostolado que Paulo havia reivindicado para si, e, recordando de sua vida
pregressa, não poderia de forma alguma considerar-se digno de tão sublime
honra. Portanto, para evitar de ser acusado de presunção, ele tem que
referir-se a si mesmo, confessando sua indignidade e ainda afirmando ser
apóstolo pela graça de Deus. De fato, ele avança ainda mais e se volta para as
circunstâncias que pareciam depor contra sua autoridade para o seu bem,
declarando que a graça de Deus brilha nele ainda com mais fulgor. Ao render
graças a Cristo, ele remove a objeção que poderia ser assacada contra ele, sem deixar-lhe
qualquer chance de formular a pergunta se ele era ou não digno de um ofício tão
honroso, pois ainda que em si mesmo não possuísse excelência de espécie alguma,
era suficiente o fato de que fora escolhido por Cristo. Há muitos que usam a
mesma forma de palavras para fazer uma exibição de sua humildade, mas que em
nenhum existe a humildade de Paulo, pois que sua intenção era não só gloriar-se
ardentemente no Senhor, mas também desviar de si toda e qualquer vanglória.
Mas, pelo quê ele está dando graças? É pelo fato de lhe haver concedido um
lugar no ministério, e desse fato ele deduz que fora considerado fiel. Cristo não recebe pessoas indiscriminadamente,
antes, porém, faz seleção daqueles que são apropriados, e assim reconhecemos
como dignos todos aqueles a quem ele honra. Não é incompatível com isso o fato
de Judas, segundo a profecia do Salmo 109.8, ser levantado por pouco tempo para
em seguida celeremente cair. Por outro lado, com Paulo foi diferente, pois que
obteve seu ofício com um propósito distinto e sob condições distintas, pois
Cristo declarou [At 9.15] que ele haveria de ser “um vaso escolhido para ele”.
Ao falar assim, o
apóstolo Paulo parece estar fazendo da fidelidade que antecipadamente
demonstrara a causa do seu chamamento. Se tal fosse o caso, então sua gratidão
seria hipócrita e absurda, pois então deveria seu apostolado, não tanto a Deus,
mas a seus próprios méritos. Não concordo que sua intenção fosse que ele fora
escolhido para a obra apostólica em razão de sua fé ter sido conhecida de
antemão por Deus, porquanto Cristo não poderia ter previsto nele nada de bom
exceto aquilo que o próprio Pai lhe concedera. E assim permanece sempre verdadeiro
que “Não fostes vós que me escolhestes a mim, pelo contrário, eu vos escolhi a
vos outros e vos designei para que vades e deis fruto” [Jo 15.16]. Mas a intenção
de Paulo é completamente diferente: para ele, o fato de Cristo fazer dele um apóstolo
fornecia prova de sua fidelidade. Ele afirma: os que Cristo toma para ser
apóstolo têm que confessar que foram declarados fiéis pelo decreto de Cristo.
Este veredicto não repousa sobre a presciência, e, sim, sobre um testemunho
dirigido aos homens, como se ele dissesse: “Dou graças a Cristo que me chamou
para este ministério, e assim publicamente declarou que sancionava minha
fidelidade”.
Paulo agora se volta para
outras bênçãos de Cristo, e diz que ele o fortaleceu ou o capacitou. Com isso ele quer dizer não só que no princípio fora
formado pela mão divina, de uma forma tal que ficou perfeitamente qualificado
para o seu ofício, mas inclui também a concessão contínua de graças. Porquanto
não teria sido suficiente que uma só ocasião houvera sido declarado fiel, caso
Cristo não o fortalecesse com a constante comunicação de seu socorro. Portanto,
ele diz que é pela graça de Cristo que fora inicialmente levantado para o
apostolado e por que agora continua nele.
Deus nossa bençoe!
João Calvino (1509-1564).
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