“EM TI, SENHOR, ME REFUGIO”
“Em ti SENHOR, me refugio; não seja eu jamais envergonhado; livra-me por tua justiça” (Sl 31.1).
Logo de início Davi nos diz que tipo de oração ofereceu em sua agonia
e aperto; e sua linguagem transmite afeto da mais ardente natureza. Ele a usa
como base da esperança que depositava no Senhor ou que continuava a confiar
nele. Ele mantém
como um princípio, o fato de que a esperança que depende de Deus não é possível
ser frustrada. Entrementes, vemos como ele nada apresenta que não seja
unicamente pela fé, profetizando seu livramento só porque está persuadido de
que seria salvo pelo socorro e favor de Deus. Como, porém, esta doutrina já foi
explanada, e ainda ocorrerá com alguma frequência, presentemente será
suficiente um relanceio sobre ela. Oh! se todos nós, na prática, ao
aproximarmo-nos de Deus, fôssemos capazes de declarar como Davi de que nossas orações
procedem desta fonte, ou seja, da inabalável persuasão de que nossa segurança
depende do poder de Deus. A partícula indicativa, jamais ou para sempre, pode ser explicada de duas
formas. Como Deus às vezes subtrai seu favor, o significado não pode
impropriamente ser: Embora no momento me veja privado de teu socorro, todavia não
me expulsaste definitivamente, ou para sempre. E assim Davi, desejando munir-se
de paciência contra suas provações, traça um contraste entre dois fatos: viver
em aflição por algum tempo e permanecer nesse estado de confusão. Mas se alguém
preferir entender as palavras de Davi neste sentido: “Sejam quais forem as aflições
que me sobrevenham, esteja Deus disposto a socorrer-me e de vez em quando
estender-me sua mão, segundo a situação o requeira”, eu não rejeitaria tal
significado como inferior ao outro. Davi deseja ser entregue à justiça
divina, visto
que Deus manifesta sua justiça, pondo em ação sua promessa feita a seus servos.
É um raciocínio por demais refinado asseverar que Davi, aqui, recorre à justiça
que Deus graciosamente comunica a seu povo, visto que sua justiça pessoal, com
base nas obras, é de nenhum valor. Ainda mais fora de propósito é a opinião
daqueles que concluem que Deus preserva os santos de conformidade com a justiça
deles; equivale dizer, uma vez tendo eles agido de forma tão meritória, a justiça
requer que recebam seu galardão. É fácil de se perceber, à luz do frequente uso
do termo nos Salmos, que a justiça de Deus significa sua fidelidade, no exercício
da qual ele defende todo aquele que se entrega à sua guarda e proteção. Davi,
pois, confirma sua esperança com base na natureza de Deus, que não pode
negar-se a si mesmo e que perenemente continua sendo ele mesmo.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
Nenhum comentário:
Postar um comentário