“O PRINCIPAL DOS PECADORES”
“Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna” (1Tm 1.15,16).
O vocábulo, “pecadores”,
é enfático. Mesmo aqueles que reconhecem que a obra de Cristo é salvar, admitem
que é muito difícil crer que essa salvação pertença a pecadores. Nossa mente
sempre se inclina a fixar-se em nossa própria dignidade; e assim que essa
dignidade se concretiza, nossa confiança fracassa. Por isso, quanto mais uma
pessoa sente o peso de seus pecados, mais deve, com maior coragem, recorrer a
Cristo, confiando no que aqui é ensinado, ou seja, que ele veio trazer
salvação, não aos justos, e, sim, aos pecadores. Também merece atenção que
neste versículo Paulo baseia o que disse acerca de si próprio nesta verdade
geral sobre a obra de Cristo, de modo que, o que acaba de dizer sobre si
próprio, não pareça absurdo por ser algo inusitado.
Dos quais eu sou o
principal. Não devemos imaginar que o apóstolo Paulo esteja,
aqui, expressando uma falsa modéstia. Sua intenção era fazer confissão de que
ele era não apenas humilde, mas expressar também uma verdade que fluísse do
âmago de seu ser. Mas é possível que alguém pergunte por que ele se considera o
principal dos pecadores, sendo que seu mal foi unicamente em relação à sua
ignorância da sã doutrina, e quanto aos demais aspectos do viver era ele
irrepreensível aos olhos humanos. Nestas palavras, porém, somos advertidos sobre
quão grave e sério é o pecado da incredulidade aos olhos de Deus, especialmente
quando seguido de obstinação e desenfreada crueldade. É fácil para os homens
dissimularem o que Paulo confessou acerca de si próprio em decorrência de zelo
irrefletido; mas Deus dá um valor tão elevado à obediência proveniente da fé,
que não o deixa considerar como pecado de pouca monta a incredulidade
obstinadamente renitente. Observemos com muita atenção o ensino desta passagem,
ou seja, que um homem, que aos olhos do mundo poder ser não só irrepreensível,
mas também extraordinariamente de excelentes virtudes e de uma vida merecedora
de elogios, pode, não obstante, ser considerado um dos maiores pecadores por
causa de sua oposição à doutrina do evangelho e à obstinação de sua
incredulidade. Daqui podemos facilmente entender o valor que aos olhos de Deus
têm todas as exibições de grande impacto dos hipócritas, enquanto,
obstinadamente, resistem a Cristo.
Para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade. Ao dizer, "o principal", aqui, Paulo está uma vez mais dizendo que ele é o principal dos pecadores, de modo que o termo tem o mesmo sentido de principalmente, ou acima de todos. Ele quer dizer que desde o início Deus exibiu este exemplo de sua graça para que a mesma fosse contemplada clara e amplamente, de modo tal que ninguém alimentasse dúvida de que o único modo de se obter o perdão é indo a Cristo pela fé. Toda a nossa falta de confiança é removida quando vemos em Paulo um tipo visível daquela graça que buscamos.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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