“O ANTICRISTO”
“Filhinhos,
esta já é a última hora; e, conforme ouvistes que vem o anticristo, já muitos
anticristos se têm levantado; por onde conhecemos que é a última hora” (1João 2.18)
Ao chegarmos à
análise da questão do anticristo, permitam-me começar indicando-lhes
determinadas afirmações específicas das Escrituras. Em primeiro lugar, temos a passagem
de 1 João capítulo 2, especialmente o versículo 18: “Filhinhos, esta já é a
última hora; e, conforme ouvistes que vem o anticristo, já muitos anticristos
se têm levantado; por onde conhecemos que é a última hora”. Na verdade, o “anticristo”
é um termo usando somente pelo apóstolo João. Então temos também a grande
passagem em 2 Tessalonicenses 2.1-12, a qual, também, é claramente uma
descrição da mesma pessoa. Além do mais, é igualmente claro que em Daniel 7.8 e
7.15-28, bem como na clássica passagem de Apocalipse 13.1-18, com seu relato da
besta que emerge do mar e a besta que emerge da terra, há referências do mesmo
poder. E, finalmente, há também referências incidentais em 1 Timóteo, capítulo
4, e em 2 Timóteo, capítulos 2 e 3.
Agora
deixem-me apresentar-lhes meu argumento de que Daniel, capítulo 7, 2 Tessalonicenses,
capítulo 2, e Apocalipse, capítulo 13, todos eles, se referem ao anticristo.
Antes de tudo, em cada passagem, a fonte, a origem, é a mesma. Em Daniel 7.8, o
pequeno chifre procede da quarta besta; no Apocalipse, o governo do anticristo
é a última fase da besta que emerge do mar; enquanto que o homem do pecado, em
2 Tessalonicenses, capítulo 2, é visível depois da remoção do Império Romano.
Em segundo lugar, o tempo da origem é o mesmo. O pequeno chifre está entre os sucessores divididos
do Império Romano; a besta recebe do dragão (que é Satanás) seu poder e sua
grande autoridade marchando pela Roma pagã; e o homem do pecado é revelado depois
que o poder restringente for removido.
Em terceiro
lugar, seu fim é o mesmo. Todos os três são destruídos na segunda vinda de
Cristo no juízo final.
Em quarto
lugar, em cada relato, a figura exerce poder político-religioso. O pequeno
chifre de Daniel, capítulo 7, é semelhante aos outros, embora “divirja” deles,
no sentido em que ele é um poder religioso, distinto dos outros “reis” (Dn
8.24). No Apocalipse, capítulo 13, a besta usa uma coroa, todavia exige e
recebe culto, e o “homem do pecado”, em Tessalonicenses, capítulo 2, exibe
ambos os aspectos.
Em quinto
lugar, as figuras nos três relatos revelam pretensão blasfema. O pequeno chifre
possui uma “boca que fala grandes coisas” (Dn 7.20), e “Proferirá palavras contra
o Altíssimo” (Dn 7.25). Somos informados que a besta do Apocalipse tem “uma boca
que proferirá arrogâncias e blasfêmias” (Ap 13.5), enquanto o homem do pecado
se exalta contra Deus (2Ts 2.4).
Em sexto
lugar, tanto em Daniel como no Apocalipse, o tempo de seu domínio é o mesmo: três
anos e meio. Em Daniel ele é descrito como “um tempo, dois tempos e metade de um tempo”
(Dn 7.25), e no que diz respeito à besta do Apocalipse, “deu-se-lhe autoridade
para atuar por quarente e dois meses” (Ap 13.5). Paulo, porém, em 2
Tessalonicenses, não apresenta tempo exato.
Em sétimo
lugar, todos os três declaram guerra contra o povo de Deus.
Em oitavo
lugar, possuem grande poder. Somos informados acerca do pequeno chifre em
Daniel: “e parecia ser mais robusto do que os seus companheiros” (Dn 7.20),
enquanto se pergunta acerca da besta: “quem poderá batalhar contra ela” (Ap
13.4). E somos informados que o homem do pecado em 2 Tessalonicenses opera “segundo
a eficácia de Satanás com todo o poder, sinais e prodígios da mentira (2Ts
2.9).
Finalmente, em
cada passagem é exigida homenagem como se fosse Deus: o pequeno chifre se
estabelece sobre os santos e tempos e leis do Altíssimo (Dn 7.21,25); a besta
obriga as multidões a adorá-la (Ap 13.12), e o homem do pecado se exalta como
Deus (2Ts 2.4).
Portanto, havendo
focalizado a relação entre as três passagens, pergunto: o que todas
significariam e o que Paulo estaria ensinando em 2 Tessalonicenses, capítulo 2?
Bem, ele começa dizendo que o “dia de Cristo” não está próximo como algumas
pessoas têm dito, e então prossegue explicando que certas coisas devem acontecer
antes.
Primeiro,
haverá apostasia - “um abandono”. Isso deverá acontecer na Igreja, e será a apostasia. Então “esse homem do pecado”,
“o filho da perdição”, o ímpio e iníquo será revelado. Notem bem que não nos
diz que ele virá, pois ele já está
presente e operando, senão que nesse ponto ele se revelará.
Paulo então
prossegue dizendo certas coisas acerca dele. Somos informados que ele é iníquo.
Isso não é pecado passivo, mas resistência positiva contra Deus. É
desobediência deliberada na qual a obstinação se exalta ao nível mais elevado.
Segundo, ele
se opõe a Deus e a Cristo e ao Seu reino e obra. Ele é o anticristo, que se põe no lugar de Cristo e se intitula cristão,
todavia é contra o reino da verdade que o nome de cristão implica. Terceiro,
ele se assenta no santuário de Deus, e sua quarta característica é a autodeificação
- “apresentando-se como Deus” (2Ts 2.4).
Quinto, Paulo
diz que este é um mistério que, como sempre no Novo Testamento, só é revelado
aos que têm discernimento espiritual.
Sexto, sua
presença é marcada por mentirosas pretensões e falsos milagres, como Paulo
enumera nos versículos 9 a 11 - “com todo o poder e sinais e prodígios da mentira”, levando o povo a crer numa mentira, a qual é a operação de Satanás, e
arrogando para si todo o domínio da fé.
Paulo também
diz que a revelação do homem do pecado é detido por um poder restringente
(v.7), e que ele está condenado à destruição na vinda de Cristo: “a quem o
Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca” (v.8). Mas Paulo também deixa
claro que “O mistério da iniquidade” já começou - “já opera” (v.7). Entretanto,
como já vimos, diferente de Daniel, Paulo não fixa tempos exatos.
Então, a que
essas descrições do anticristo se referem? Três explicações principais se têm
apresentado. Uma é que isso já ocorreu: refere-se à apostasia e rejeição
judaicas de Cristo. Outros dizem que se dará inteiramente no futuro, e se
refere a uma pessoa judaica ou gentia que se exaltará no templo restaurado em
Jerusalém e fará guerra contra os santos.
A terceira
explicação é que as passagens referentes ao anticristo indicam o papado. Esse
foi o ponto de vista dos reformadores protestantes. Em defesa de seus
argumentos, apontavam para as palavras: ”se assenta no santuário de Deus,
apresentando-se como Deus” (2Ts 2.4), as quais, diziam eles, se referem ao trono
do papa na igreja entre o povo de Deus. Realçavam que o poder papal começou
depois da queda do Império Romano, o qual corresponde ao relato bíblico da
origem do anticristo. O elemento político-religioso, dizem, está igualmente
presente no papado, como também a exigência de culto; e além disso, mantinham
que existe certa oposição ao evangelho que é vista mais sutilmente na negação
da doutrina da justificação unicamente pela fé em Cristo e na exaltação da
igreja católica. Esse ponto de vista também compara os “prodígios da mentira”
com o grande número de supostos milagres mantidos pela igreja católica romana,
e no que diz respeito a “crer na mentira”, apontavam para a fé em milagres, por
exemplo, e para o fato de que o Concílio de Trento anatematizou a fé genuína.
Os
reformadores sugeriram também que o “restringente” se refere aos imperadores
romanos, cujo poder foi então removido; o “espírito (sopro) de sua (do Senhor) ”boca”,
em 2 Tessalonicenses 2.8 era a Reforma Protestante; e assim a “décima parte da
cidade” que caiu, conforme Apocalipse 11.12, é uma referência à Revolução
Francesa.
Eis aí,
portanto, as interpretações possíveis deste tremendo tema do anticristo. Tanta
coisa permanece incerta, e objeções podem surgir contra todos os três pontos de
vista. De algumas coisas, contudo, podemos estar certos. Como já demostramos, o
anticristo já estava em ação nos dias dos apóstolos Paulo e João, mas é muito
claro que, ainda que haja muitas imitações dele, ele atingirá seu mais pleno
poder imediatamente antes do fim desta época. Além do mais, enquanto Daniel
mostra o aspecto político, Paulo enfatiza o aspecto religioso de seu governo, e
encontramos ambos no Apocalipse, capítulo 13, como a besta que emerge do mar
simbolizando o poder político, e a besta que emerge da terra, o poder religioso.
Possivelmente, a esse dois aspectos pode seguir-se outro, com um terrível poder
religioso vindo após um poder político igualmente terrível.
Finalmente,
podemos, creio eu, estar certos de que o anticristo por fim se concentrará numa
pessoa, a qual deterá um terrível poder, e será capaz de operar milagres e
realizar prodígios de tal forma que quase enganará os próprios eleitos.
Ora, a meu ver
esse é o sentido de sua doutrina, e devemos compreender que nós mesmos somos
confrontados por tal poder. Não devemos ser culpados de demasiada
simplificação, mas podemos estar certos de que, desde o início da Igreja até o
fim, um poder maligno está em ação dentro da Igreja. Como Paulo escreveu aos
Efésios: “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os
principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra
as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12).
Deus nos
abençoe!
Dr. Martyn
Lloyd-Jones (1899-1981).
*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba(PR).
Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário.