“PREDESTINOU PARA SEREM CONFORMES À IMAGEM DE SEU FILHO”
“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos” (Rm 8.29).
O apóstolo Paulo mostra, pela própria ordem da eleição, que todas as
aflições dos crentes são simplesmente os meios pelos quais são identificados
com Cristo. Ele previamente declara a necessidade disto. As aflições, portanto,
não devem ser um motivo para nos sentirmos entristecidos, amargurados ou
sobrecarregados, a menos que também reprovemos a eleição do Senhor, pela qual
fomos predestinados para a vida, e vivamos relutantes em levar em nosso ser a
imagem do Filho de Deus, por meio da qual somos preparados para a gloria
celestial. O conhecimento antecipado de Deus mencionado aqui pelo apóstolo, não
significa mera presciência, como alguns neófitos totalmente
imaginam, mas significa, sim, a adoção, pela qual o Senhor sempre
distingue seus filhos dos réprobos. Neste sentido, o apóstolo Pedro diz que os
crentes foram eleitos para a santificação do Espírito segundo a presciência
divina [1Pe 1.2]. Aqueles, pois, a quem me refiro aqui, tolamente concluem que
Deus não elegeu a ninguém senão àqueles a quem previu seriam dignos de sua
graça. Pedro não elogia os crentes como se fossem todos eles eleitos segundo
seus méritos pessoais, senão que, ao remetê-los ao eterno conselho de Deus,
declara que estão todos inteiramente privados de qualquer dignidade. Segue-se
disto que este conhecimento depende do beneplácito divino, visto que, ao adotar
aqueles a quem ele quis, Deus não teve qualquer conhecimento antecipado das
coisas fora de si mesmo, senão que destacou aqueles a quem propôs eleger.
O verbo traduzido por predestinar aponta para as
circunstâncias desta passagem em pauta. O apóstolo quer dizer simplesmente que
Deus determinara que todos quantos adotasse levariam a imagem de Cristo. Não
diz simplesmente que deveriam ser conformados a Cristo, e, sim, à imagem de Cristo, com o fim de
ensinar-nos que em Cristo há um vivo e nítido exemplo que é posto diante dos
filhos de Deus para que imitem. A súmula da passagem consiste em que a graciosa
adoção, na qual nossa salvação consiste, é inseparável deste outro decreto, a
saber: que ele nos designou para que levemos a cruz. Ninguém pode ser herdeiro
do reino celestial sem que antes seja conformado à imagem do Filho Unigênito de Deus.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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