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quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

“DISSE DEUS: FAÇAMOS O HOMEM À NOSSA IMAGEM”


“DISSE DEUS: FAÇAMOS O HOMEM À NOSSA IMAGEM”

“Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (Gn 1.26).

Os intérpretes não unânimes no que se refere ao significado dessas palavras. A grande maioria acredita que a palavra imagem deva ser distinguida de semelhança. E a distinção comum é que imagem existe na substância; semelhança, nos acidentes de alguma coisa. Os que preferem definir o tema de modo breve, dizem que na imagem estão contidos aqueles dotes que Deus conferiu à natureza humana em geral, enquanto explicam semelhança no sentido dos dons gratuitos. Agostinho, porém, além de todos os outros, especula com excessivo refinamento, com o propósito de projetar uma trindade no homem. Pois, ao valer-se das três faculdades da alma enumeradas por Aristóteles: o intelecto, a memória e a vontade, ele deriva delas muitas outras. De fato, reconheço que há algo no homem que se reporta ao Pai, ao Filho e ao Espírito; e não tenho dificuldade em admitir a distinção das faculdades da alma feita acima; embora a divisão mais simples em duas partes, que é usada na Escritura, seja mais adaptada à sã doutrina da piedade; mas uma definição de imagem de Deus deve repousar sobre uma base mais sólida do que em tais sutilezas.

No que diz respeito, antes de definir a imagem de Deus, negaria que ela difira de sua semelhança. Pois quando Moisés, mais adiante, repete a mesma coisa, ele ignora a semelhança e se contenta em mencionar apenas a imagem. Alguém poderia replicar dizendo que ele estava meramente buscando brevidade; a isso eu respondo que, onde ele usa duas vezes a palavra imagem, não faz menção da semelhança. Sabemos ainda que era comum entre os hebreus repetirem a mesma coisa em diferentes palavras. Além disso, a frase em si mostra que o segundo termo foi acrescido como explicação. “Façamos”, diz ele, “o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”, isto é, para que ele seja semelhante a Deus, ou possa representar a imagem de Deus.

Finalmente, no quinto capítulo, sem fazer qualquer menção de imagem, ele põe semelhança em seu lugar [Gn 5.1]. Mesmo que tenhamos descartado toda e qualquer diferença entre as duas palavras, ainda não averiguamos o que é essa imagem e semelhança. Os antropomorfistas foram demasiadamente grosseiros em buscar essa semelhança no corpo humano; que tal desvario, portanto, permaneça sepultado. Outros procedem um pouco mais sutilmente, a saber, ainda que não imaginem Deus como sendo corpóreo, contudo sustentam que a imagem de Deus está no corpo do homem, porque sua admirável estrutura brilha aí fulgurantemente. Essa opinião, porém, como veremos, não está de forma alguma em concordância com a Escritura. A exposição de Crisóstomo é mais correta, o qual se reporta ao domínio que ao homem foi dado a fim de poder, em certo sentido, agir como vice-regente de Deus no governo do mundo. Essa, realmente, é alguma parte, ainda que muito pequena, da imagem de Deus.

Posto que a imagem de Deus foi em nós destruída pela queda, podemos julgar, a partir de sua restauração, o que ela fora originalmente. Paulo diz que, pelo evangelho, somos transformados na imagem de Deus. E, segundo ele, a regeneração espiritual nada mais é do que a restauração da mesma imagem [Cl 3.10; Ef 4.23]. É mediante a figura de sinédoque que ele fez essa imagem consistir em “justiça e verdadeira santidade”; pois ainda que essa seja a parte principal, não é o todo da imagem de Deus. Portanto, por essa palavra se designa a perfeição de toda nossa natureza, como apareceu quando Adão foi dotado com um reto juízo, quando tinha os afetos em harmonia com a razão, tinha todos os seus sentidos íntegros e bem regulados, e realmente se sobressaia em tudo o que é bom. Assim, a principal sede da imagem divina esta em sua mente e coração, onde ela era eminente; contudo, não havia parte dele em que não refulgissem algumas cintilações dela. Pois havia um equilíbrio nas diversas partes da alma que correspondia aos seus vários ofícios. Na mente florescia e reinava perfeita inteligência, a retidão estava presente como sua companheira, e todos os sentidos estavam preparados e moldados para devida obediência à razão; e no corpo havia uma correspondência própria a essa ordem interior. Agora, porém, embora alguns obscuros delineamentos dessa imagem se encontram permanentes em nós, contudo, se encontram tão viciados e mutilados, que se pode dizer com razão que estão destruídos. Pois além da deformidade que por toda parte parece repugnante, acrescenta-se também este mal: que nenhuma parte está isenta da infecção do pecado.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba(PR).
Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário.

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