“Antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se
em semelhança de homens; e, achado na forma de homem, a si mesmo se
humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.7,8).
A si mesmo se esvaziou. Este esvaziamento é o mesmo que
aviltamento, sobre o qual veremos mais adiante. Não obstante, esta expressão é
usada (mais enfaticamente) para significar: sendo reduzido a nada. De
fato Cristo não podia despir-se da Deidade; mas ele a manteve escondida por
algum tempo, para que não fosse vista, sob a fragilidade da carne. Daí ele
abrir mão da sua glória, pelo prisma humano, não a fim de diminuí-la, e sim
para a ocultar.
Indaga-se se ele fez isso como homem. Erasmo responde na afirmativa.
Todavia, onde estava a forma de Deus antes de se tornar homem?
Daí, devemos responder que Paulo fala de Cristo em sua totalidade, como Deus
manifestado na carne [1Tm 3.16]; mas, não obstante, este esvaziamento é
aplicável exclusivamente à sua humanidade, como se eu dissesse do homem: “O
homem, sendo mortal, seria excessivamente sem sentido se ele em nada mais
pensasse senão no mundo”; de fato me refiro ao homem em sua totalidade; mas, ao
mesmo tempo, atribuo mortalidade só a uma parte dele, a saber, ao corpo. Como,
pois, Cristo tem uma só pessoa, consistindo de duas naturezas, é com
propriedade que Paulo diga que ele, que era o Filho de Deus - na realidade
igual a Deus -, não obstante abriu mão da sua glória, quando na carne se
manifestou na aparência de um servo.
Indaga-se ainda, em segundo lugar, como é possível dizer que ele se esvaziou, enquanto que, não obstante, demonstrava, mediante milagres e excelências, ser o Filho de Deus, e em quem, como João testifica, sempre se contemplou uma glória digna do Filho de Deus [Jo 1.14]? Respondo que o aviltamento da carne era, apesar de tudo, como que um véu a esconder sua majestade divina. Foi por isso mesmo que ele não queria que sua transfiguração viesse a público, mesmo depois da sua ressurreição; e, quando ele percebe que a hora de sua morte se avizinhava, então diz: “Pai, glorifica a teu Filho” [Jo 17.1]. Daí também Paulo ensinar em outro lugar que ele “foi declarado Filho de Deus segundo o espírito de santidade, pela ressurreição dentre os mortos” [Rm 1.4]. E, em outro lugar, também declara que “ele sofreu pela fraqueza da carne” [2C0 13.4]. Enfim, a imagem de Deus resplandeceu em Cristo de tal maneira que ele foi, ao mesmo tempo, aviltado em sua aparência externa, nada valendo na estima dos homens; pois ele portava a forma de servo e assumiu nossa natureza, com vistas expressamente a ser servo do Pai; pior ainda, inclusive dos homens. Paulo o chama ainda de “Ministro da Circuncisão” [Rm 15.8]; e ele mesmo testifica de si que veio ministrar [Mt 20.28]; e que a mesma coisa fora há muito tempo predita por Isaías: “Eis que meu servo” [Is 52.13].
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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