“AQUELE QUE COMEÇOU BOA OBRA EM VÓS”
“Estou
plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la
até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).
Estou
plenamente certo. Um motivo adicional de
alegria é fornecido na confiança [depositada pelo apóstolo Paulo] neles para o
futuro. Mas é possível que alguém diga: por que os homens ousariam a garantir-se
para amanhã em meio a tão grande enfermidade da natureza, em meio a tantos
impedimentos, asperezas, precipícios? Por certo que Paulo não derivava esta
confiança da firmeza e da excelência dos homens, mas simplesmente do fato de
que Deus manifestara seu amor para com os filipenses. E, indubitavelmente, esta
é a genuína maneira de reconhecer os benefícios divinos - quando derivamos
deles ocasião de nutrir boas esperanças quanto ao futuro. Porque, como são
tomados imediatamente por sua bondade, e por sua paternal benevolência para
conosco, que ingratidão seria não derivar disto nenhuma confirmação de esperança
e bom ânimo! Além disto, Deus não é como os homens a ponto de se cansar ou
sentir-se exausto em conferir bondade. Portanto, que os crentes se exercitem em
constante meditação sobre os favores que Deus confere, para que se animem e
confirmem a esperança quanto ao futuro, e tenham sempre em sua mente este silogismo:
Deus não se esquece da obra que suas próprias mãos começaram, como o profeta testifica [SI 138.8]; nós somos a obra de suas mãos; portanto, ele
completará o que já começou a fazer em nós. Quando digo que somos a obra de
suas mãos, não me refiro à mera criação, mas à vocação pela qual somos adotados
como seus filhos. Pois o fato de que o Senhor nos chamou eficazmente para si,
pela operação de seu Espírito, é sinal da nossa eleição.
Não obstante,
pergunta-se se alguém pode estar certo quanto à salvação de outra pessoa,
porquanto aqui Paulo não está falando de si mesmo, e sim dos filipenses.
Respondo que a certeza que um indivíduo tem com respeito à sua salvação pessoal
é muito diferente da que ele tem em relação à das outras pessoas. Pois o Espírito
de Deus é minha testemunha de que fui chamado, como o é também de cada um dos
eleitos. Quanto aos outros, não temos nenhum testemunho, exceto o da eficácia
externa do Espírito; ou, seja, até onde a graça de Deus se exibe neles, e até
onde a percebemos. Portanto, há uma grande diferença porque a certeza de fé
permanece encerrada no interior de cada um, e não se exterioriza aos demais. Não
obstante, onde quer que notemos quaisquer das marcas da eleição divina, que
porventura sejam notadas por nós, devemos imediatamente estimular-nos a nutrir
boa esperança, seja para que não sejamos invejosos em relação aos nossos
semelhantes, seja subtraindo deles um juízo equitativo de caridade; e, ainda,
para que sejamos gratos a Deus. Não obstante, esta é uma regra geral, seja
quanto a nós mesmos, seja quanto aos demais - que, desconfiando de nossa própria
força, dependamos inteiramente só de Deus.
Até o dia de
Jesus Cristo. De fato, a principal coisa a
ser entendida aqui é esta: até o término do conflito. Ora, o conflito termina
com a morte. Não obstante, como o Espírito costuma falar desta maneira em referência à última
vinda de Cristo, seria melhor estender o avanço da graça de Cristo até a
ressurreição da carne. Pois embora aqueles que já foram libertados do corpo
mortal não mais contendam com as concupiscências da carne, e estão, por assim
dizer, além do alcance de um único dardo, contudo não haverá absurdo algum em
falar deles como estando ainda no caminho de avanço, visto que ainda não alcançaram
o ponto que desejam - ainda não desfrutando da felicidade e glória que tanto
esperam; e, por fim, o dia ainda não chegou para que se descubram os tesouros
que jazem na esperança. E, na verdade, quando se trata da esperança, nossos
olhos devem estar sempre direcionados para a bem-aventurada ressurreição, como
sendo o grande objeto em vista.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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