“SEMEAI PARA VÓS MESMOS EM JUSTIÇA”
“Semeai para
vós mesmos em justiça, colhei em misericórdia; quebrai em pedaços o vosso solo
de terra devoluta; pois é tempo de procurar o SENHOR, até que ele venha
e faça chover justiça sobre vós” (Os 10.12).
O profeta
Oséias, aqui, exorta os israelitas ao arrependimento; conquanto não pareça uma
simples e mera exortação, antes, um protesto; como se o Senhor houvesse dito
que ele, até ali, em vão lidava com o povo de Israel, pois que esse sempre
continuara obstinado. Pois se segue, imediatamente - “Vós arastes maldade, vós
colhestes iniquidade; vós comestes o fruto das mentiras; porque tu confiaste em
teu caminho, na multidão dos teus homens poderosos” (v.13).
A razão, pela
qual eu cuidei que o Profeta não exortava simplesmente o povo, antes, acusava-o
de inflexibilidade por não melhorar, apesar de várias vezes admoestado, é aqui
encontrada. Ele, então, relata o quanto Deus, anteriormente, fizera para
restaurar o povo a uma mente sã; pois isso tinha sido seu ensino constante: Semeai
para vós mesmos retidão, colhei, em proporção, bondade, ou, consoante à
proporção de brandura; arai uma lavoura para si próprios; é a época de
buscar ao Senhor. Então, conquanto o povo ouvisse tais palavras todo dia, e
tivesse seus ouvidos quase ensurdecidos por elas, todavia, ele não mudava para
melhor, nem se tornava maleável; pelo contrário, com um propósito fixo, por
assim dizer, eles lavravam, diz ele, impiedade, eles colhiam iniquidade; por
conseguinte, eles comiam mesmo o fruto da falsidade, pois curtiam justos
castigos, ou, saciavam-se de falsidade e traição. Compreendemos, agora, o que o
Profeta quis dizer: procederei às particularidades.
Semeai para
vós mesmos retidão. Ele revela que a salvação desse
povo não havia sido negligenciada por Deus; pois experimentara se ele povo era
curável. O remédio era que esse conheceria que Deus apaziguava-se para com ele
ao se devotar, ele povo, à justiça. O Senhor oferecia sua mercê: “Retornai
unicamente para mim; pois, assim que a semente da justiça for semeada por vós,
a ceifa será preparada, um galardão será guardado para vós; vós, então,
segareis frutos em consonância com a vossa bondade”.
Não obstante,
se alguém perguntar se está no poder dos homens semear justiça, a resposta é
pronta, e é esta: que o Profeta não explica aqui quão longe a habilidade dos
homens se estende, mas requer o que eles devem fazer. De onde é que tantas
maldições muitas vezes nos oprimem, senão por o produto ser similar à semente
que espalhamos? Ou seja, Deus retribui a nós o que merecemos.
Isso, pois, é
o que o Profeta mostra, quando diz: “Semeai para vós mesmos retidão”: ele
demonstra que era culpa deles se o Senhor não os acalentava amável, generosa e
paternalmente: era porque a impiedade deles não o permitia.
E o Profeta
somente fala das obrigações da segunda tábua da lei, como também os Profetas
falam, quando exortam os homens à penitência: eles, com frequência, principiam
pela segunda tábua, porque a perversidade do homem, relativamente a essa, é
mais palpável, e podem, por esse meio, ser mais facilmente declarados culpados.
Porém, o que
ele acrescenta a seguir, lavrar a lavoura, não está, reconheço, em seu
lugar adequado; mas não há nada incoerente nisso: pois, depois de havê-los
exortado a arar, ele acrescenta que eles eram como campos incultos e desertos,
de modo que não era direito semear a semente antes que houvessem sido
preparados. O Profeta devia, então, de acordo com a ordem da natureza, ter
começado com lavoura; mas ele simplesmente disse o que desejava transmitir, que
os israelitas não recebiam os frutos desejados porque tinham semeado apenas
injustiça. Caso eles, agora, desejassem ser tratados com mais amabilidade, ele
indica o remédio, que é semear justiça. Se era assim, que eles já estavam
cheios de impiedade, ele revela que eles eram como um campo recoberto de sarças
e espinheiros. Por isso, quando um campo fica sem ser cultivado por muito
tempo, espinhos, cardos e outras ervas daninhas crescem ali; uma dupla aragem
será necessária, e esse duplo trabalho é chamado de Novação; e Jeremias fala da
mesma coisa, quando mostra que o povo se endurecera em sua imoralidade, e que
esse não podia produzir qualquer fruto até que os espinheiros fossem arrancados
pelas raízes e o povo houvesse sido libertado dos vícios em que se tornara
firme; por isso, ele diz: “Lavrai outra vez vosso chão sulcado” (Jr 4.3.)
E é tempo de
buscar o SENHOR, até que ele venha. Aqui, o
Profeta oferece uma esperança de perdão ao povo, para encorajá-lo a
arrepender-se: pois sabemos que, quando os homens são chamados de volta para
Deus, ficam entorpecidos, e mesmo abatidos em suas mentes, até serem
assegurados de que Deus ser-lhes-á propício; e isso é o que tratamos mais
plenamente noutra parte. Agora, o Profeta trata da mesma verdade, que é o tempo
de buscar o Senhor. Ele, de fato, usa a palavra que denota uma época
tempestiva. É, então, o tempo de procurar ao Senhor; como se ele
dissesse: “O caminho de salvação não está ainda fechado para vós; pois o Senhor
convida-vos para ele mesmo, e, de si próprio, está inclinado à misericórdia”.
Isso é uma coisa. Entretanto, somos, ao mesmo tempo, ensinados de que não deve
haver tardança; pois tal morosidade custar-lhes-á caro, se desprezarem um tão
amável convite de Deus e prosseguirem em sua obstinação. Então, é o tempo
para buscar a Deus; como também Isaías diz: “Buscai ao SENHOR enquanto ele
pode ser encontrado, procurai-o enquanto está perto: Eis agora o tempo do bom
prazer; eis, agora o dia da salvação” (Is 55.6). Assim, também aqui, o Profeta
atesta que Israel trataria facilmente com Deus se retornasse ao caminho reto;
mas que, se continuasse obstinadamente em seus pecados, período não seria
perpétuo; pois a porta seria fechada, e o povo debalde clamaria, após haver
negligenciado esse oportuno convite e abusado da paciência divina.
É o tempo, pois,
diz, de procurar o SENHOR, até que ele venha. Essa última oração é uma
confirmação da primeira; pois o Profeta declara aqui, explicitamente, que não
seria labor inútil para Israel começar a buscar a Deus — “Ele virá a vós”. Ao
mesmo tempo, ele alerta-os para não serem por demais precipitados em suas
expectativas; pois, ainda que Deus os recebesse em mercê, ele, todavia, não os
livraria já de todos os castigos ou males. Devemos, então, pacientemente
esperar até que o fruto da reconciliação apareça. Desse modo, vemos que os dois
pontos são aqui sabiamente manejados pelo Profeta; pois ele queria que Israel
se apressasse com profundo interesse, não protelasse muito o tempo de
arrependimento e, também, permanecesse sossegado, caso Deus não se revelasse
incontinente, propício, nem exibisse sinais de seu favor; o Profeta desejava,
nesse caso, que o povo fosse paciente.
E chova
justiça sobre vós. A palavra “chova” quer dizer,
na verdade, “ensinar”, e também “arremessar”; porém, como a palavra é derivada
desses verbos, como é bem sabido, significa a chuva, eu não posso explicá-la
aqui de outra maneira que não “ele choverá justiça sobre vós”. O que,
verdadeiramente, podia significar o ensino da justiça? Pois o Profeta alude à seara;
e o povo podia dizer: “Estamos assegurados de provisão, se buscarmos a Deus?”
“Decerto”, diz ele; “ele virá; ele virá a vós, e choverá justiça, ou o fruto da
justiça, sobre vós”. Em resumo, o Profeta indica aqui que, sempre que Deus é
buscado em sinceridade e de coração pelos pecadores, ele sai para encontrá-los,
revelando-se amável e compassivo. Mas, como ele havia falado de arar e semear,
o fruto ou a colheita devia ser ora citado; para que oferecesse, portanto, uma
promessa de que aqueles que tinham semeado justiça não perderiam seu dispêndio
e fadiga, ele diz que o Senhor choverá sobre vós o fruto da justiça.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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