“Ora, a
esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo
Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.5).
"Ora, a esperança não confunde". Ou seja, ela tem a nossa salvação como um fato garantido. Isto mostra claramente que a
aflição é usada pelo Senhor para provar-nos, de modo que a nossa salvação
possa, por isso, progredir gradualmente. Portanto, aquelas misérias, que a seu próprio modo são os suportes de nossa
felicidade, não podem transformar-nos em miseráveis.
E assim a tese do apóstolo Paulo fica provada, ou seja: que os piedosos contam
com bases sólidas para gloriar-se no meio de suas aflições.
Somos estimulados
à paciência pela instrumentalidade da tribulação, e a paciência é para nós a
prova do auxílio divino. Este fato robustece um tanto mais nossa esperança;
pois, por mais que sejamos acossados, e nos pareçamos desgastados, não
cessamos de sentir a munificência divina para conosco. Esta é a mais rica
consolação, e muito mais abundante do que quando tudo parecia ir-nos bem. Uma vez
que o que se nos afigura como felicidade não passa de miséria, quando Deus nos
hostiliza e se revela descontente conosco, assim também, quando ele se mostra
favoravelmente disposto para conosco, nossas próprias calamidades indubitavelmente
nos resultarão em prosperidade e alegria. Todas as coisas devem servir a
vontade do Criador, porque, segundo o seu paternal favor para conosco (Rm 8),
ele direciona todas as provações oriundas da cruz para nossa salvação. Esse
conhecimento do amor divino para conosco é instilado em nossos corações pelo
Espírito de Deus, pois as coisas boas que Deus preparou para aqueles que o
adoram estão ocultas dos ouvidos, dos olhos e das mentes dos homens, e
tão-somente o Espírito é quem pode revelá-las. O particípio derramado e
bastante enfático, e significa que a revelação do amor divino para conosco é
tão copiosa que enche os nossos corações. Sendo assim derramado, e permeando
cada parte de nós, não só mitiga nosso sofrimento na adversidade, mas também
age como um agradável condimento a transmitir graça às nossas tribulações.
Paulo diz mais
que o Espírito nos foi outorgado, ou seja, ele nos é concedido pela benevolência
divina, cuja motivação não se acha em nós, e nem nos foi conferida com base em
nossos méritos. O que nos é ensinado aqui consiste em que a genuína fonte de
todo amor está na convicção que os crentes têm do amor divino por eles. Esta
não é uma leve persuasão a imprimir-lhes certos matizes [à vida], senão que
suas mentes são completamente permeadas por ele.
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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