“LOUVAI-O, SOL E LUA”
“Louvai-o, sol e lua; louvai-o,
todas as estrelas luzentes. Louvai-o, céus dos céus e as águas que estão acima do
firmamento” (Sl 148.3,4).
Esta passagem não sustenta o sonho de Platão, de que as estrelas são
superiores em senso e inteligência. Tampouco o salmista lhes dá o mesmo lugar
que acabara de assinalar aos anjos. Apenas sugere que a glória de Deus é
contemplada em toda parte, como se o sol e a lua entoassem os louvores de Deus
com voz audível. Aqui, o salmista reprova indiretamente a ingratidão do homem,
pois todos que ouvem esta sinfonia devem atentar imediatamente às obras de
Deus. O sol, por meio de sua luz e calor, bem como outros efeitos maravilhosos,
não louva o seu Criador? As estrelas, quando percorrem o seu curso e adornam os
céus, provendo luz à terra, não ecoam os louvores de Deus? Mas, visto que somos
surdos e insensíveis, o salmista convoca os astros como testemunhas, para
reprovar nossa indolência. Ao designar céus dos céus, ele quis
dizer as esferas. Os eclipses e outros fenômenos de nossa observação revelam
claramente que as estrelas fixas se acham acima dos planetas e que os próprios
planetas estão situados em órbitas diferentes. O salmista enaltece a excelência
desse esquema, falando expressamente dos céus dos céus, não como se houvesse
mais do que um céu, e sim para enaltecer a sabedoria inigualável que Deus tem
demonstrado em criar os céus, pois o sol, a lua e as estrelas não subsistem
confusamente; cada uma delas tem a sua própria posição e atividade que lhe
foram prescritas, e seus cursos múltiplos são todos bem regulados.
Visto que sob
a designação os céus ele inclui a atmosfera ou, pelo menos, todo o
espaço na região intermediária da atmosfera acima, ele chama as chuvas de as
águas acima dos céus. Não há fundamento para a conjectura elaborada por
alguns de que há águas depositadas acima dos quatro elementos. E, quando o
salmista fala sobre essas águas acima dos céus, é evidente que está pensando na
descida da chuva. Imaginar que existe um oceano suspenso nos céus, no qual as
águas são permanentemente depositadas, equivale a apegar-se estritamente demais
à letra das palavras empregadas. Sabemos que Moisés e os Profetas falam
ordinariamente num estilo popular, adaptado à apreensão inferior. Seria absurdo
tentar reduzir o que dizem às normas da filosofia; como, por exemplo, nesta
passagem, o salmista nota o maravilhoso fato de que Deus mantém as águas
suspensas na atmosfera, porque parece contrário à natureza que estejam acima
das montanhas e que, embora sejam fluidos, pendam no espaço vazio. De acordo
com isso, lemos em outra passagem que são mantidas ali como que encerradas em
reservatórios [SI 33.7]. O salmista emprestou de Moisés a forma de expressão
que diz: “Haja firmamento no meio das águas e separação entre águas e águas”
[Gn 1.6].
Deus nos
abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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