“NÃO TORNOU DEUS LOUCA A SABEDORIA DO MUNDO?”
“Onde está o sábio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século? Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria do mundo?” (1Co 1.20).
Por sabedoria, o apóstolo Paulo quer dizer, aqui, tudo quanto o
homem pode compreender, não só por sua própria habilidade mental e natural, mas
também pelo auxílio da experiência, escolaridade e conhecimento das artes. Pois
ele contrasta sabedoria do mundo com a sabedoria do Espírito. Segue-se que,
qualquer conhecimento que uma pessoa venha a possuir, sem a iluminação do
Espírito Santo, está incluído na sabedoria deste mundo. Ele afirma que Deus
tornou ridículo tudo isso, ou o condenou como loucura. Devemos entender que
isso é feito de duas maneiras. Pois qualquer conhecimento ou entendimento que
uma pessoa possua não tem o menor valor se não repousar na verdadeira sabedoria;
e não é de mais valor apreender o ensino do que os olhos de um cego para
distinguir as cores. Deve-se prestar cuidadosa atenção a ambas as questões, ou
seja: (1) que o conhecimento de todas as ciências não passa de fumaça quando
separada da ciência celestial de Cristo; e (2) que o homem, com toda a sua
astúcia, é tão estúpido para entender por si mesmo os mistérios de Deus, como o
asno é incapaz de entender a harmonia musical. Paulo mostra a disposição para o
orgulho devorador daqueles que se gloriam na sabedoria deste mundo, de modo a
desprezarem Cristo e toda a instrução relativa à salvação, imaginando que são
felizes se aderirem às coisas deste mundo. Também se referia à arrogância
daqueles que, confiando em sua própria capacidade, procuram adentrar o céu.
Responde-se, ao mesmo tempo, à indagação como pode Paulo lançar por
terra, desta forma, todo gênero de conhecimento que existe fora de Cristo, e
calcar aos pés, por assim dizer, o que se sabe ser o principal dom de Deus
neste mundo. Pois, o que é mais nobre do que a razão humana, por meio da qual
nos situamos muito acima de todos os animais? Quão sumamente merecedoras de honra
são as ciências liberais, as quais refinam o homem de tal forma que o fazem
verdadeiramente humanos! Além disso, que imenso número de excelentes produtos
elas produzem! Quem não atribuiria o mais excelente encômio à habilidade
estadista, por meio da qual estados, impérios e reinos são mantidos? - para não
dizer nada mais acerca de outras coisas?
A minha posição diante desta pergunta é a seguinte. É evidente que
Paulo não condena sumariamente, seja o discernimento dos homens, seja a
sabedoria adquirida pela prática e experiência, seja o aprimoramento da mente
através da cultura; mas o que ele afirma é que todas essas coisas são inúteis
para a obtenção da sabedoria espiritual. E é certamente loucura para quem quer
que seja presumir que pode subir ao céu, confiando em sua própria perspicácia
ou com o auxílio da cultura; em outras palavras: pretender investigar os
mistérios secretos do reino de Deus, ou forçar caminho para o conhecimento dos
mesmos, pois eles se acham ocultos à percepção humana. Portanto, tomemos nota
do fato de que devemos limitar-nos às circunstâncias do presente caso, ou seja,
que Paulo, aqui, ensina acerca da futilidade da sabedoria deste mundo, porque
ela permanece no nível deste mundo, e de forma alguma pode alcançar o céu. É também
verdade, num outro sentido, que fora de Cristo cada ramo do conhecimento humano
é fútil, e o homem que se acha bem estabelecido em cada aspecto da cultura, mas
que prossegue igualmente ignorante de Deus, não possui nada. Além do mais,
deve-se também dizer, com todas as letras, que estes excelentes dons divinos -
perspicácia, judiciosidade, ciências liberais, conhecimento de línguas - são
todos, de uma forma ou de outra, corruptíveis, sempre que caem nas mãos dos
ímpios.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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