“ELE VOS DEU VIDA, ESTANDO
VÓS MORTOS”
"Ele vos deu vida,
estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2.1).
Com o fim de aplicar
com maior eficácia aos efésios, a declaração geral da graça, o apóstolo Paulo
lhes lembra sua condição anterior. Esta aplicação contém duas partes: “Vós, uma
vez, estivestes perdidos; agora, porém Deus, mediante sua graça, vos resgatou
da destruição”. Mas ao envidar esforços para salientar cada uma dessas partes,
o apóstolo interrompe seu argumento por meio de hipérbato. Existe certa dificuldade
na linguagem, mas o significado é claro. Temos apenas que nos reportar a ambas as
partas. Quanto à primeira, vemos que Paulo diz que os efésios estiveram mortos; e expõe, ao mesmo
tempo, a causa da morte, a saber: os pecados. Sua intenção não é apenas dizer
que viveram sob o risco de morte; senão que declara que ela era uma morte real
e presente, pela qual foram subjugados. Como a morte espiritual não é outra
coisa senão o estado de alienação em que a alma subsiste em relação a Deus, já
nascemos todos mortos, bem como vivemos mortos até que nos tornamos
participantes da vida de Cristo; daí o nosso Senhor também dizer: “Em verdade,
em verdade vos digo que vem a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a vos
do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão” (J0 5.25).
Os hereges, ávidos
em agarrar-se a cada oportunidade que tenham para enfraquecer a graça de Deus,
afirmam que fora de Cristo estamos meio mortos. Entretanto, não foi a troco de
nada que o próprio Senhor, e bem assim o apóstolo Paulo, nos excluíram
completamente da vida enquanto permanecermos, em Adão, e declaram que a
regeneração é a nova vida da alma, e que é por meio daquela que esta ressuscita
dos mortos. Reconheço que algum gênero de vida permanece em nós durante o tempo
em que somos estranhos em relação a Cristo; porquanto nem os sentidos, nem a
vontade, nem as faculdades da alma foram extintos dos incrédulos. O que isso,
porém, tem a ver com o reino de Deus? O que isso tem a ver com a vida bem-aventurada,
quando tudo o que pensamos e desejamos é morte? Que seja indestrutível, pois, o
seguinte pensamento: que a união de nossa alma com Deus é a genuína e única
vida; e que fora de Cristo estamos completamente mortos, visto que o pecado, a
causa da morte, reina em nós.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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