“SEGUNDO O PRÍNCIPE DA POTESTADE DO AR”
“Nos quais andastes
outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do
espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2.2).
O apóstolo
Paulo avança mais e explica que a causa da nossa corrupção deve ser encontrada
no domínio que o diabo exerce sobre nós. Não se pode pronunciar uma condenação
mais severa sobre a humanidade! O que ele nos deixa, quando declara que somos
escravos de Satanás e submissos à sua vontade, enquanto nossas vidas se mantêm
excluídas do reino de Cristo? Nossa condição, portanto, ainda que muitos vivam
satisfeitos com ela (ou, pelo menos, pouco desprazerosos), deve, naturalmente,
causar-nos horror. Onde, pois, está o livre-arbítrio, o governo da razão, a
virtude moral, acerca dos quais muitos defendem? O que encontrarão tão puro ou
santo sob a tirania do diabo? Astutamente, porém, se fazem em extremo
cuidadosos ao abominarem esta doutrina como sendo a pior heresia de Paulo.
Digo, porém, que não há nessas palavras nada obscuro, e que todos os que vivem
segundo o curso do mundo, ou seja, segundo as inclinações da carne, batalham
sob o comando de Satanás.
Como os filhos
de Deus possuem uma Cabeça, assim também os ímpios; pois cada grupo forma um
corpo. Portanto, Paulo atribui à primeira o domínio sobre todo o mal, assim
como a segunda tipifica a plenitude da impiedade. Não há nesta passagem a
defesa de dois princípios, como se Satanás pudesse realizar algo contra a
vontade de Deus. Paulo não lhe concede o supremo governo, o qual pertence
exclusivamente à vontade de Deus, a não ser que lhe atribui aquela tirania cujo
exercício procede da permissão divina. O que é Satanás senão o verdugo de Deus
para punir a ingratidão humana? Isso se encontra implícito na linguagem de
Paulo, porquanto afirma que ele é poderoso somente em relação aos incrédulos, e
assim isenta os filhos de Deus de seu poder destruidor. Se tal coisa procede,
então presume-se que Satanás nada pode fazer senão aquilo que lho permite a
vontade de um superior, e que ele não é autônomo.
Não obstante,
ao mesmo tempo deduzimos que os ímpios não têm justificativa alguma de que são
obrigados por Satanás a cometerem todos os seus crimes. Como concluir que se encontram
sujeitos à tirania do diabo, senão pelo fato de serem rebeldes contra Deus? Se
ninguém mais é escravo de Satanás senão aqueles que quebram o jugo divino e que
se recusam a devotar obediência a Deus, então que se considerem responsáveis
por preferirem um senhor tão cruel.
Pela cláusula,
filhos da desobediência, o apostolo
quer dizer, de acordo com o costume hebreu, os
obstinados. O incrédulo vive associado com a desobediência; de modo que ela
é a fonte e mãe de todos os obstinados.
Deus nos abençoe.
João Calvino (1509-1564).
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