"PELO APARECIMENTO DE NOSSO SALVADOR CRISTO JESUS"
“E manifestada, agora,
pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a
morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho” (2Tm
1.10).
Devemos notar quão
apropriadamente o apóstolo Paulo conecta a fé que recebemos do evangelho com a
eleição secreta de Deus e designa a cada uma o seu próprio lugar. Deus nos
chamou pela proclamação do evangelho, não porque repentinamente tivesse consciência
da nossa salvação, mas porque ele assim o determinou desde toda a eternidade.
Cristo agora se manifestou para essa salvação; não porque o poder de salvar lhe
tenha sido recentemente conferido, mas porque essa graça nos foi guardada nele
antes da criação do mundo. O conhecimento dessas coisas nos foi revelado pela
fé. E assim, o apóstolo sabiamente conecta o evangelho com as mais antigas
promessas de Deus, para que sua suposta novidade não o expusesse ao desprezo.
Suscita-se, porém, a
indagação, se tudo isso foi ocultado dos pais que viveram sob o regime da lei,
pois se a graça só foi revelada no advento de Cristo, então conclui-se que
antes ela estava oculta. Respondo que Paulo está falando da plena manifestação
da realidade propriamente dita, sobre a qual os pais também edificaram sua fé,
de modo que isso não os priva da realidade. Eis a razão por que Abel, Noé,
Abraão, Moisés, Davi e todos os santos obtiveram a mesma salvação que
obtivemos, pois também eles depositaram sua fé na manifestação [futura] de
Cristo. Ao dizer que a graça nos foi revelada mediante a manifestação de
Cristo, o apóstolo não exclui os pais da participação nela, pois a mesma fé os
fez partícipes conosco nessa manifestação. O Cristo de ontem é o mesmo de hoje
[Hb 13.8], mas que não se manifestara mediante sua morte e ressurreição antes
do tempo prefixado pelo Pai. Nossa fé e a de nossos pais sempre olham para o
mesmo ponto, porque neste fato jaz a única garantia e consumação de nossa
salvação.
O qual não só destruiu a morte. Pelo fato de atribuir
ao evangelho a manifestação da vida, Paulo não quer dizer que ela tenha sua
origem na Palavra sem referência alguma à morte e ressurreição de Cristo, posto
que o poder da Palavra repousa no assunto que ela contém; ao contrário, ele
quer dizer que a única maneira pela qual o fruto dessa graça pode chegar até
aos homens é através do evangelho, como expressou em 2Coríntios 5.19: “Deus
estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo, não imputando aos homens
as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação”. É uma notável
e memorável recomendação do evangelho, que seja ele denominado o meio pelo qual
a vida se manifesta.
À vida Paulo adiciona imortalidade, querendo dizer: “uma vida
genuína e imortal”, a menos que você prefira considerar vida no sentido de regeneração, à qual segue a bem-aventurada
imortalidade que é ainda objeto da esperança. Pois nossa vida não consiste do
que temos em comum com as bestas brutas, ao contrário, consiste de nossa
participação na imagem de Deus. Visto, porém, que a natureza e valor genuínos
dessa vida não aparecem neste mundo [1Jo 3.2], para explicá-la ele acrescentou oportunamente
a imortalidade, a qual é a revelação dessa vida que ora está oculta.
Deus nos abençoe!
João Calvino (1509-1564).
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