“OS OLHOS DO SENHOR ESTÃO SOBRE OS QUE O TEMEM”
“Eis que os olhos do SENHOR estão sobre os que
o temem, sobre aqueles que esperam em sua misericórdia, para livrar suas almas
da morte e para conservar-lhes a vida no tempo da fome” (Sl 33.18,19).
Havendo demonstrado que, o que os homens consideram sua melhor
defesa amiúde não lhes traz nenhum proveito, ou, melhor, é totalmente sem
efeito quando dependem de tais coisas, o salmista agora mostra, em
contrapartida, que os crentes, embora não sejam revestidos de grande poder nem
possuam grande riqueza, não obstante são única e suficientemente protegidos pelo
favor divino e se sentirão seguros para sempre. Sua intenção é bem ilustrada
com esta comparação, a saber, que os reis e gigantes não recebem nenhum auxílio
de sua força embora pareça invencível, enquanto que Deus sustenta a vida dos
santos na fome e na morte. Consequentemente entendemos melhor por que o profeta
põe abaixo toda a força do mundo; seguramente não para que os homens fiquem
prostrados ou se veem tão quebrantados que se entreguem ao desespero, mas
porque, desfazendo-se de seu orgulho, firmem bem seus pensamentos em Deus
somente e se persuadam de que sua vida depende tão-só da proteção divina. Além
do mais, ao dizer que os olhos de Deus estão postos sobre os que o temem e os
salva, ele expressa mais do que se houvera dito que sua mão e poder foram
suficientes para preservá-los. E possível que uma dúvida entre sorrateiramente
nas mentes dos fracos, a saber, se Deus estende esta proteção a todo e qualquer
indivíduo. Quando, porém, o salmista o introduz como que mantendo vigilância e custódia,
por assim dizer, sobre a segurança dos fiéis, não há razão por que algum deles
deva tremer ou hesitar em seu íntimo por um longo período, uma vez ser indubitável
que Deus está presente com ele e o assiste, desde que o mesmo permaneça tranquilo
sujeito à providência divina. À luz deste fato, também surge ainda mais claramente
quão veraz era o que o salmista acabava de dizer: quão bem-aventurado é
o povo cujo Deus é SENHOR, porque sem ele toda a força e riquezas que porventura
possuamos serão ilusórias e perecíveis; enquanto, com um único olhar,
ele defende seu povo, supre suas necessidades, o alimenta no tempo de fome e o preserva
vivo quando se acha destinado à morte. Toda a raça humana, sem dúvida, é
sustentada pela providência divina; mas sabemos que seu cuidado paternal
especialmente se destina não a qualquer um, senão a seus próprios filhos, os
quais têm consciência de que suas necessidades são por ele realmente levadas em
conta.
Além disso, quando se afirma que Deus, em tempos de fome e de
morte, tem disponível um antídoto para preservar a vida dos piedosos, somos
instruídos que só os fiéis prestam a devida honra à providência divina quando não
permitem que seus corações percam o alento e cheguem a mais extrema indigência;
mas, ao contrário, que despertem suas esperanças mesmo nos recessos do túmulo.
Deus às vezes permite que seus servos sofram fome por algum tempo, para que
depois os sacie, e que os envolve com as trevas da morte, para que a seguir os
restaure à luz da vida. Sim, só começamos a pôr nossa firme confiança nele
quando a morte surge diante de nossos olhos; porque, até que conheçamos, por experiência,
a vacuidade dos auxílios do mundo, nossos afetos continuarão enredados por eles
e a eles atados. O salmista caracteriza os crentes por duas marcas, as quais
compreendem toda a perfeição de nossa vida. A primeira consiste em que
reverentemente sirvamos ao Senhor; e a segunda, que dependamos de sua graça. Quando
os fiéis se entregam, de todo o coração, ao serviço e temor de Deus, este afeto
emana da fé; ou, melhor, a parte principal do verdadeiro culto que os fiéis
rendem a Deus consiste nisto: que dependam da misericórdia divina.
Deus nos
abençoe
João Calvino (1509-1564).
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