“PLENO CONHECIMENTO DA VERDADE SEGUNDO A PIEDADE”
“Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus
Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da
verdade segundo a piedade”
(Tt 1.1).
A fim de apoiar sua alegação de que seu apostolado está livre de toda e
qualquer impostura e equívoco, Paulo declara que sua mensagem nada contém senão
aquela notória e averiguada verdade, a qual pode instruir os homens no perfeito
culto divino. Visto, porém, que cada palavra tem sua própria importância, nos
será de muito proveito examiná-las uma a uma.
Em primeiro lugar, ao chamar a fé de “conhecimento”, Paulo não está
meramente distinguindo-a de opinião, mas daquela fé forjada e implícita
inventada pelos falsos mestres. Pois por fé implícita eles querem dizer algo
destituído de toda luz da razão. Ao dizer que conhecer a verdade pertence à
essência da fé, ele claramente demonstra que sem o conhecimento não há certeza
na fé.
Com o termo, “verdade”, Paulo explica ainda mais claramente a certeza
que a natureza da fé requer; pois a fé não se satisfaz com probabilidades, mas
com a plena verdade. Além do mais, ele não está falando, aqui, de qualquer
gênero de verdade, mas daquela que é contrastada com a vaidade do entendimento
humano. Pois como Deus se nos tem revelado através dessa verdade, ela é a única que merece o título de “a verdade” - título este a ela dado em muitos passos
bíblicos. “O Espírito da verdade vos guiará a toda a verdade” [Jo 16.13]. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a
verdade” [Jo 17.17]. “Por causa da esperança que vos está preservada nos céus, da qual antes
ouvistes pela palavra da verdade do evangelho” [Cl 1.5]. Em suma, a
verdade é aquele puro e perfeito conhecimento de Deus, o qual nos livra de todo
e qualquer erro e falsidade. Devemos considerar que não há nada mais miserável
do que vagar ao longo de toda a nossa vida como ovelhas perdidas.
A próxima frase, que é segundo a
piedade, qualifica a verdade de uma forma específica, da qual ele esteve
falando, e ao mesmo tempo recomenda sua doutrina a partir de seu fruto e propósito,
visto que seu alvo único é promover o culto divino correto, e manter a religião
genuína entre os homens. E assim ele livra sua doutrina de toda e qualquer
suspeita de vã curiosidade, como ele fez diante de Félix [At 24.10] e igualmente
diante de Agripa [At 26.1]. Visto que todos os questionamentos supérfluos que
não se inclinam para a edificação devem ser com toda razão suspeitos e mesmo
detestados pelos cristãos piedosos, a única recomendação legítima da doutrina é
que ela nos instrui na reverência e temor de Deus. E assim aprendemos que o
homem que mais progride na piedade é também o melhor discípulo de Cristo, e o
único homem que deve ser tido na conta de genuíno teólogo é aquele que pode edificar
a consciência humana no temor de Deus.
Deus nos abençoe
João Calvino (1509-1564).
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