"SER CRISTÃO É TER MENTE E CORAÇÃO DE CRISTO".



sexta-feira, 30 de agosto de 2024

“INCLINA-ME OS OUVIDOS, LIVRA-ME DEPRESSA”


“INCLINA-ME OS OUVIDOS, LIVRA-ME DEPRESSA”

“Inclina-me os ouvidos, livra-me depressa; sê o meu castelo forte, cidadela fortíssima que me salve. Porque tu és a minha rocha e a minha fortaleza; por causa do teu nome, tu me conduzirás e me guiarás. Tirar-me-ás do laço que, às ocultas, me armaram, pois tu és a minha fortaleza” (Sl 31.2-4).

Estas palavras expressam com quanto ardor a alma de Davi se animava a orar. Ele descreve com figuras próprias a veemência de seu desejo. Ao orar para que fosse libertado depressa, demonstrava a agudeza do perigo que o cercava, como se quisesse dizer: Logo todos se assenhorearão de minha vida, a não ser que Deus se apresse em socorrer-me. Com as palavras, castelo forte, fortaleza e rocha, ele notifica que, sendo-lhe impossível resistir a seus inimigos, sua esperança repousa unicamente na proteção divina.

Davi, ao exclamar esta reflexão, se anima não só a orar com intensidade, mas também a nutrir confiante esperança de obter o que solicita. Sabemos, em todos os casos, que é um hábito dele misturar tais elementos em suas orações, como se quisesse remover suas dúvidas e confirmar sua certeza. Havendo, pois, expresso sua necessidade, ele se assegura, com o fim de encorajar-se e animar-se, de que sua oração, com toda certeza, receberá uma resposta feliz. Ele havia dito: Sê tu minha forte rocha e minha fortaleza; e agora adiciona: Com toda certeza tu és minha rocha e minha fortaleza; notificando que não emitira estas palavras temerariamente, como fazem os incrédulos que, embora estejam acostumados a exigir muito de Deus, são mantidos em suspenso pelos eventos terríveis e incertos. Deste fato ele extrai outro encorajamento, a saber: que terá Deus por seu guia e líder durante todo o curso de sua vida. Ele usa dois termos: conduzir e guiar, para expressar a mesma coisa, e faz isso (pelo menos assim o explico) por conta dos vários acidentes e das vicissitudes desiguais pelas quais os homens vivem e são provados, como se quisesse dizer: Se tenho de subir às montanhas mais íngremes ou labutar por regiões ásperas ou andar entre os espinheiros, confio que serás o meu Guia constante. Além do mais, como os homens sempre encontram em si mesmos motivos para dúvida, caso olhem para seus próprios méritos, Davi expressamente pede a Deus que se convença a socorrê-lo por amor de seu próprio nome, ou em consideração à sua própria glória, visto que, propriamente falando, não existe nenhum outro motivo que o induza a socorrer-nos. É preciso, pois, ter em mente que o nome de Deus, que se opõe a todo e qualquer mérito [humano], é a única causa de nossa salvação.

No versículo quatro, sob a metáfora de um laço, tudo indica que Davi está a designar as ciladas e artifícios com que seus inimigos o enredavam. Sabemos que se engendravam frequentes inspirações contra sua vida, as quais não lhe deixavam lugar algum de escape; e como seus inimigos eram profundamente hábeis em matéria de sagacidade, e odiavam-no com inconcebível furor, e ardentemente buscavam sua destruição, era-lhe impossível desvencilhar-se deles por qualquer poder humano. Por essa razão ele chama Deus minha força; como se quisesse dizer: Unicamente ele é suficiente para desmantelar todas as ciladas nas quais ele vê seu aflito povo enleado.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba(PR).
*Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário. 

“EM TI, SENHOR, ME REFUGIO”


“EM TI, SENHOR, ME REFUGIO”

“Em ti SENHOR, me refugio; não seja eu jamais envergonhado; livra-me por tua justiça” (Sl 31.1).

Logo de início Davi nos diz que tipo de oração ofereceu em sua agonia e aperto; e sua linguagem transmite afeto da mais ardente natureza. Ele a usa como base da esperança que depositava no Senhor ou que continuava a confiar nele. Ele mantém como um princípio, o fato de que a esperança que depende de Deus não é possível ser frustrada. Entrementes, vemos como ele nada apresenta que não seja unicamente pela fé, profetizando seu livramento só porque está persuadido de que seria salvo pelo socorro e favor de Deus. Como, porém, esta doutrina já foi explanada, e ainda ocorrerá com alguma frequência, presentemente será suficiente um relanceio sobre ela. Oh! se todos nós, na prática, ao aproximarmo-nos de Deus, fôssemos capazes de declarar como Davi de que nossas orações procedem desta fonte, ou seja, da inabalável persuasão de que nossa segurança depende do poder de Deus. A partícula indicativa, jamais ou para sempre, pode ser explicada de duas formas. Como Deus às vezes subtrai seu favor, o significado não pode impropriamente ser: Embora no momento me veja privado de teu socorro, todavia não me expulsaste definitivamente, ou para sempre. E assim Davi, desejando munir-se de paciência contra suas provações, traça um contraste entre dois fatos: viver em aflição por algum tempo e permanecer nesse estado de confusão. Mas se alguém preferir entender as palavras de Davi neste sentido: “Sejam quais forem as aflições que me sobrevenham, esteja Deus disposto a socorrer-me e de vez em quando estender-me sua mão, segundo a situação o requeira”, eu não rejeitaria tal significado como inferior ao outro. Davi deseja ser entregue à justiça divina, visto que Deus manifesta sua justiça, pondo em ação sua promessa feita a seus servos. É um raciocínio por demais refinado asseverar que Davi, aqui, recorre à justiça que Deus graciosamente comunica a seu povo, visto que sua justiça pessoal, com base nas obras, é de nenhum valor. Ainda mais fora de propósito é a opinião daqueles que concluem que Deus preserva os santos de conformidade com a justiça deles; equivale dizer, uma vez tendo eles agido de forma tão meritória, a justiça requer que recebam seu galardão. É fácil de se perceber, à luz do frequente uso do termo nos Salmos, que a justiça de Deus significa sua fidelidade, no exercício da qual ele defende todo aquele que se entrega à sua guarda e proteção. Davi, pois, confirma sua esperança com base na natureza de Deus, que não pode negar-se a si mesmo e que perenemente continua sendo ele mesmo.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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segunda-feira, 26 de agosto de 2024

“CERTAMENTE RETRIBUIRÁS A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS”


“CERTAMENTE RETRIBUIRÁS A CADA UM SEGUNDO AS SUAS OBRAS”

“A ti também, Senhor, pertence a misericórdia; pois certamente retribuirás a cada um segundo as suas obras” (Sl 62.12).

O salmista adiciona: Certamente retribuirás a cada um segundo as suas obras. E aqui Davi apresenta o que disse para ter ainda mais perto o ponto que estabeleceria, declarando que o Deus que governa o mundo por sua providência o julgará com justiça. A expectativa disto, devidamente apreciada, terá um feliz efeito na disposição de nossa mente, acalmando a impaciência e restringindo qualquer disposição ao ressentimento e retaliação em face de nossas injúrias. Ao colocar a si e aos outros diante do tribunal de Deus, ele anima seu coração na esperança daquele livramento que era iminente e se convence a desprezar a insolente perseguição de seus inimigos, ao considerar que toda obra humana terá que entrar em juízo diante daquele que, para cessar de ser Juiz, teria que negar-se a si mesmo. Podemos, pois, descansar seguros, por mais graves sejam nossos erros, ainda que os ímpios nos considerem o lixo e o refugo de todas as coisas, que o Deus que é testemunha do que sofremos se interporá no devido tempo e não frustrará nossa paciente expectativa. A luz desta passagem e de outras semelhantes, os hereges tiram argumento em defesa de sua doutrina de que a justificação e a salvação dependem das boas obras. Já expus, porém, a falácia de seu raciocínio. Aqui não se faz menção por mais que lancem mão desta expressão como equivalente a uma afirmação de que Deus galardoa os homens com base nos méritos. É com um desígnio muito diferente, e não para encorajar tal opinião, que o Espírito promete galardoar nossas obras, ou seja: para animar-nos nas veredas da obediência, e não para inflamar aquela ímpia autoconfiança que corta a salvação pelas próprias raízes.

Segundo o juízo que Deus forma das obras do crente, sua dignidade e valor dependem primeiro do perdão gratuito a ele estendido como pecador, e mediante o qual ele é reconciliado com Deus; seus préstimos, não obstante todas as suas imperfeições. Sabemos não haver nenhuma de nossas obras que, à vista de Deus, seja considerada perfeita ou pura e sem qualquer mácula de pecado. Qualquer recompensa que porventura recebam, deve, pois, ser atribuída à benevolência divina. Visto que as Escrituras prometem um galardão aos santos, com a única intenção de estimular suas mentes e encorajá-los no divino combate, e não com o mais remoto desígnio de detrair algo da misericórdia divina, é absurdo que os hereges aleguem que eles, em algum sentido, merecem o que lhes é concedido. No que respeita aos ímpios, ninguém disputará que o castigo que lhes é retribuído, como violadores da lei, é estritamente merecido.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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“A TI TAMBÉM, SENHOR, PERTENCE A MISERICÓRDIA”


“A TI TAMBÉM, SENHOR, PERTENCE A MISERICÓRDIA”

“A ti também, Senhor, pertence a misericórdia; pois certamente retribuirás a cada um segundo as suas obras” (Sl 62.12).

Podemos então juntar numa forma bem conectada as doutrinas particulares que Davi selecionou para uma atenção especial. É essencialmente necessário, se porventura temos de fortificar nossas mentes contra a tentação, cultivar conceitos adequadamente elevados do poder e misericórdia de Deus, visto que nada nos preservará mais eficientemente numa trajetória reta e sem desvios do que a firme convicção de que todos os eventos se acham nas mãos de Deus, e que ele é misericordioso e poderoso. Consequentemente, Davi dá seguimento ao que havia dito sobre o tema da diferença de se render em obediência à palavra, declarando que fora instruído por ela no poder e bondade de Deus. Alguns [intérpretes] o entendem como a dizer que está no poder de Deus livrar seu povo e que sua clemência o convence a exercê-lo. Ele, porém, parece mais tencionado a dizer que Deus é poderoso para impor restrição aos ímpios e esmagar sua soberba e seus nefastos desígnios, mas que a disposição de sua bondade é sempre proteger e defender seus próprios filhos. O homem que se disciplina à contemplação destes dois atributos, os quais nunca devem estar em nossa mente dissociados da ideia de Deus, está certo de permanecer ereto e inamovível ante os furiosos assaltos da tentação; enquanto que, por outro lado, ao perdermos de vista a infinita suficiência de Deus (o que nos dispomos demasiadamente a fazer), nos tornamos vulneráveis ao massacre do primeiro encontro [no campo de batalha]. A opinião que o mundo tem de Deus é que ele está sentado no céu como indolente e despreocupado espectador dos eventos que se desenrolam. Carece que fiquemos surpresos diante do fato de que os homens estremecem ante a própria casualidade, ao crerem que são objetos do cego acaso? Não podemos sentir segurança a menos que fiquemos satisfeitos com a verdade de que há uma divina superintendência, e portanto podemos entregar nossas vidas e tudo o que temos nas mãos de Deus. A primeira coisa que devemos observar é seu poder, a fim de podermos nutrir plena convicção de ser ele um seguro refugio para todos quantos se entregam ao seu cuidado. A isso devemos juntar a confiança em sua misericórdia, a fim de impedir os ansiosos pensamentos que de outra forma brotariam em nossa mente. Esta poderia sugerir a dúvida: Ora, se Deus governa o mundo, segue-se, então, que ele se preocupará com objetos tão sem valor como nós somos?

Há uma óbvia razão, pois, para o salmista associar estas duas coisas: seu poder e sua clemência. Estas são as duas asas com as quais voamos para o céu; as duas colunas entre as quais descansamos e podemos desafiar as procelosas vagas da tentação. Os perigos, em suma, surgem de qualquer canto, e por isso temos de nos lembrar que o divino poder que pode coibir todos os males, e enquanto tal sentimento prevalecer em nossa mente, nossos problemas não podem deixar de cair prostrados diante do divino poder. Por que temeríamos? Como é possível temermos quando o Deus que nos cobre com a sombra de suas asas é o mesmo que governa o universo com um gesto seu, mantém secretas as cadeias do diabo e de todos os ímpios, e eficazmente administra os desígnios e intrigas deles?

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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“UMA VEZ FALOU DEUS; DUAS VEZES OUVI ISTO”


“UMA VEZ FALOU DEUS; DUAS VEZES OUVI ISTO”

“Uma vez falou Deus; duas vezes ouvi isto: que o poder pertence a Deus” (Sl 62.11).

O salmista Davi considerava que o único método eficaz de abstrair as mentes dos homens das vãs ilusões, em que se dispõem a confiar, era levá-los a se conscientizarem implícita e firmemente do juízo divino. Geralmente se agitam em diferentes direções, ou, pelo menos, se dispõem à oscilação assim que observam as coisas mutáveis deste mundo. Mas ele mantém sob observação um princípio mais acurado para a regulamentação de sua conduta, quando recomenda um respeito diferenciado pela Palavra de Deus. Deus, propriamente dito, “habita em luz inacessível” [lTm 6.16]; e já que ninguém pode chegar a ele sem que esteja munido de fé, o salmista chama nossa atenção para sua Palavra, na qual testifica a veracidade de seu divino e justo governo do mundo. É de grande importância que sejamos estabelecidos na fé proveniente da Palavra de Deus; e aqui somos conduzidos à infalível inerrância que lhe é inerente. A passagem admite duas interpretações; o escopo dela, porém, é claramente este: que Deus age consistentemente consigo mesmo, e jamais poderá desviar-se do que ele disser. Muitos entendem Davi como a dizer que Deus falou uma vez e uma segunda vez; e que por esta afirmação explícita e reiterada de seu poder e misericórdia, ele confirmou a verdade além de toda e qualquer possibilidade de contradição. Há uma passagem que contém o mesmo efeito no capítulo trinta e três, versículo quatorze, do livro de Jó, onde as mesmas palavras são empregadas, tendo apenas a conjunção como interposição. Se alguém o preferir, contudo, não faço objeções a outro significado - Deus falou uma vez; duas vezes ouvi isto. Isso concorda com o contexto e pressupõe uma lição prática de grande importância; pois quando Deus tiver uma vez emitido sua palavra, jamais se retratará. De um lado, é nosso dever ponderar sobre o que ele disse, demorada e deliberadamente; e a intenção de Davi então será que ele considerou a Palavra de Deus à luz de um decreto, fixo e irreversível, mas que, como considerava seu exercício em referência a ele, então meditava sobre o mesmo vezes e mais vezes, a fim de que o lapso de tempo não o obliterasse de sua memória. Mas a redação mais simples e preferível parece ser esta: Deus falou uma vez e outra vez. Não há consistência na engenhosa conjectura de que a alusão poderia ser que Deus uma vez falou na Lei, e a segunda vez nos Profetas. Nada mais está embutido além do fato de que a verdade referida fora simplesmente confirmada, sendo comumente reputado como certo e fixo aquilo que tem sido reiteradamente anunciado. Aqui, contudo, deve-se lembrar que toda palavra que foi pronunciada por Deus deve ser recebida com autoridade implícita, e não a aprovação dada à abominável prática da recusa de receber uma doutrina, a menos que ela seja apoiada por dois ou três textos da Escritura. Isto tem sido defendido por um herege sem princípios [que vive] entre nós, o qual tem tentado subverter a doutrina da soberana eleição e da secreta providência. Não era a intenção de Davi dizer que Deus estava preso à necessidade de repetir o que tencionasse anunciar, mas simplesmente afirma a infalibilidade de uma verdade que havia declarado em termos claros e sem ambiguidade. No texto que se segue [v.12], ele toma a si como exemplo daquela reverência e daquele respeito diferenciados que nutria pela Palavra de Deus que se estendia a todos, mas que tão poucos realmente a atendiam.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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domingo, 25 de agosto de 2024

“DEUS É NOSSA ESPERANÇA”


DEUS É NOSSA ESPERANÇA

“Esperai nele em todo tempo; derramai, ó povo, vosso coração diante dele; Deus é nossa esperança.” (Sl 62.8).

A expressão, em todo tempo, significa tanto prosperidade quanto adversidade, notificando a culpabilidade daqueles que vacilavam e sucumbiam sob a própria variação em suas circunstâncias externas. Deus prova seus filhos com aflições; aqui, porém, são ensinados por Davi a resisti-las com perseverança e coragem. Os hipócritas, que são espalhafatosos em seus louvores a Deus enquanto a prosperidade brilha sobre suas cabeças, ainda que seus corações desmaiem ante a primeira aparição de provas, desonram seu nome pondo injuriosa limitação a seu poder. Somos obrigados a dar honra a seu nome, lembrando, em nossas mais extremas aflições, que a ele pertencem as consequências da morte. E visto que todos nós somos por demais dispostos, em tais ocasiões, a ordenar silêncio às nossas aflições em nosso próprio peito - circunstância esta que só pode agravar ainda mais a angústia e amargura mental contra Deus -, Davi não poderia sugerir melhor expediente do que o de depor diante dele nossas preocupações, e assim derramar nossos corações diante dele. É sempre experimentado que, enquanto o coração sentir-se premido pelo fardo da angústia, não haverá liberdade na oração. Sob as circunstâncias penosas, devemos buscar conforto na ponderação de que Deus nos proverá lenitivo, contanto que espontaneamente deponhamos tudo diante dele. A advertência do salmista é em extremo necessária, considerando a prejudicial tendência que inerentemente nutrimos em manter nossas dificuldades encerradas em nosso íntimo até que nos levem ao desespero. Comumente, o fato é que os homens se mostram ansiosos e engenhosos em buscar a via de escape para os problemas quando estes passam a pressioná-los; mas enquanto evitarem chegar à presença de Deus, outra coisa não farão senão envolver-se cada vez mais num labirinto de dificuldades. Para não insistir mais sobre palavras, Davi precisa ser aqui entendido como a expor esse princípio mórbido, porém profundamente arraigado em nossa natureza, o qual nos leva a ocultar e a ruminar nossas tristezas, em vez de aliviarmo-nos de vez derramando nossas queixosas orações diante de Deus. A consequência é que somos perturbados mais e mais com nossos infortúnios e nos imergimos num estado de angustiante desesperança. No término do versículo, Davi diz, em referência ao povo em geral, o que havia dito de si mesmo como indivíduo, que sua segurança só poderia ser encontrada na divina proteção.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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“EM DEUS ESTÁ MINHA SALVAÇÃO”


“EM DEUS ESTÁ MINHA SALVAÇÃO”

“Em Deus está minha salvação e minha glória; a rocha de minha força e minha esperança estão em Deus” (Sl 62.7).

Vemos aqui, Davi ajuntando uma expressão sobre a outra; e isso, aparentemente, se deve ao fato de que ele desejava refrear aquela enfermidade da disposição que nos faz por demais propensos a deslizar-nos para o exercício do erro. Podemos rejeitar o reconhecimento passageiro e ocasional de que nosso auxílio só se encontra em Deus, e ainda abruptamente exibir nossa falta de confiança nele, ocupando-nos, em todas as direções, em suplementar o que consideramos defectivo no auxílio divino. Os diversos termos que ele emprega para expressar a suficiência de Deus como libertador podem, neste caso, considerar-se como tantos argumentos para a constância ou os muitos freios que ele aplicaria aos caprichos do coração carnal, sempre disposto a depender do apoio de outros, e não de Deus. Tal é a forma que ele usa para animar seu próprio espírito; e em seguida o encontramos dirigindo-se a outros [v.8], convocando-os a enfrentar os mesmos conflitos e a cumular a mesma vitória e triunfo. Pelo termo povo parece não haver dúvida que ele tem em mente os judeus. Os gentios, não havendo sido ainda visitados pela verdadeira religião e pela divina revelação, Deus só poderia ser o objeto de confiança e invocação religiosa na Judéia; e tudo indica que, ao distinguir o povo escolhido do Senhor dos pagãos circunvizinhos, ele insinua quão desditoso seria se não se devotassem inteiramente a Deus, sendo eles, como de fato eram, os filhos de Abraão, favorecidos com a experiência de sua graça, especialmente tomados sob sua divina proteção.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

“SOMENTE EM DEUS, Ó MINHA ALMA, ESPERA SILENCIOSA”


“SOMENTE EM DEUS, Ó MINHA ALMA, ESPERA SILENCIOSA”

Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa, porque dele vem a minha esperança” (Sl 62.5).

Davi estava em silêncio diante de Deus; que necessidade, pois, haveria de um novo silêncio, como se ele ainda estivesse dominado pela agitação de espírito? É preciso ter em mente que não podemos jamais esperar que nossas mentes alcancem uma perfeita postura, quando eclodir aquele sentimento íntimo de inquietude, senão que, na melhor das hipóteses, são como o mar sob o impulso da mais leve brisa, flutuando suavemente, quando não engolfado por vagalhões. Não é sem luta que os santos recompõem sua mente; e podemos muito bem entender como Davi associava a mais perfeita submissão a um espírito que já era submisso, instando consigo mesmo a aprofundar-se ainda mais nesta graça do silêncio, até que mortificasse toda inclinação carnal e se sujeitasse totalmente à vontade de Deus. Além disso, com quanta frequência Satanás renovará as inquietudes que pareciam estar eficientemente repelidas! Repito que não há motivo de nos sentirmos surpresos que aqui Davi apele a si mesmo segunda vez a preservar o mesmo silêncio diante de Deus, o qual já parecia ter obtido; porque, em meio às confusas comoções da carne, nunca alcançamos a perfeita postura mental. O perigo é que, ao surgir novos ventos de dificuldades, podemos perder aquela tranquilidade íntima de que desfrutávamos, e daí a necessidade de cultivarmos o exemplo de Davi, nos firmando nele mais e mais. Ele adiciona a razão de seu silêncio. Não obtivera ainda a imediata resposta de Deus, mas confiadamente esperava nele. Minha esperança, diz ele, está em Deus. É como se dissesse: A paciente espera de seus santos jamais será frustrada; sem dúvida, meu silêncio se deparará com sua recompensa; restringir-me-ei, e não deixarei que a falsa pressa faça parecer que meu livramento se tornou por demais demorado.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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“ABENÇOAM COM SUA BOCA, MAS INTIMAMENTE AMALDIÇOAM”


“ABENÇOAM COM SUA BOCA, MAS INTIMAMENTE AMALDIÇOAM”

“Todavia se consultam em como derrubá-lo de sua dignidade; deleitam-se com mentiras; abençoam com sua boca, mas intimamente amaldiçoam” (Sl 62.4).

Davi, por um lado, se animava, determinando consigo mesmo descansar imperturbavelmente na promessa do favor divino; por outro lado, porém, ele tinha diante de si as maquinações de seus inimigos, caracterizadas pela crueldade, audácia, soberba e fraude. É como se dissesse que, por todas as suas tentativas, não faziam outra coisa senão antecipar sua própria queda; todavia, tal era seu frenesi e a fúria com que agiam, que persistiam em suas intrigas contra mim. Ele insinua que seus ataques eram dirigidos, não apenas contra ele, mas sobretudo contra Deus - de acordo com o quadro que se nos exibe pelos poetas em suas fábulas da impiedade dos gigantes. Nada satisfará os inimigos de Deus, a não ser estabelecer-se acima dos céus. Davi deve ser entendido como que primariamente falando aqui de si próprio na terceira pessoa, porém de si como expressamente elevado pela mão divina. Consequentemente, uma vez que podemos considerar como sendo Deus a parte diretamente pretendida, o escopo das palavras comunica, antes, que eles almejavam a ruína de alguém a quem Deus exaltara, e desejavam ser tidos em honra. E assim, ao tentarem contrariar o propósito divino, na verdade estavam lutando contra Deus. A cláusula que se segue, deleitam-se com mentiras, apontam para a mesma coisa. Recusando reconhecer a divina vocação do salmista, perseveravam em obedecer a esses desígnios corruptos, quando apenas os faziam recuar em confusão, segundo a exclamação do salmista: O vós, filhos dos homens, até quando minha glória será objeto de vossa infâmia? Até quando amareis a vaidade e buscareis a mentira?” [SI 4.2], Ou a expressão poderia denotar as medidas secretas e fraudulentas que adotavam em sua perseguição contra este santo de Deus; pois se acrescenta imediatamente que abençoavam com sua boca, mas intimamente amaldiçoavam. Qualquer que seja o significado, é evidente que Davi, contemplando todas as traições, intrigas e perversidades de seus inimigos, se apoia numa só consideração, ou seja, que seu socorro estava em Deus, e que toda e qualquer instrumentalidade opositora que porventura surgisse, não passaria de fútil tentativa.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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domingo, 18 de agosto de 2024

“ATÉ QUANDO CONTINUAREIS A FAZER DANO A UM HOMEM?”


“ATÉ QUANDO CONTINUAREIS A FAZER DANO A UM HOMEM?”

Até quando continuareis a fazer dano a um homem? Sereis mortos todos vós; sereis como um muro encurvado e uma sebe prestes a cair?” (Sl 62.3).

O sentido da passagem bíblica parece ser este: Até quando maquinareis o mal contra um homem e persistireis em danosas maquinações para concretizardes sua ruína? Davi tem em vista a malícia obstinada de seus inimigos, movendo cada pedra para sua destruição e delineando diariamente novos planos para alcançarem seus objetivos. A instrução a ser apreendida de sua experiência consiste em que devemos exercer a paciência, mesmo quando nossos inimigos revelem incansável crueldade em seus intentos de destruir-nos, e sejam instigados pelo diabo a incessantemente criar artifícios para nossa perseguição. Apenas chamamos a atenção para o significado da figura que se adiciona. Alguns [intérpretes] creem que os perversos são comparados a um muro inclinado em virtude de o mesmo a todo instante ameaçar vir abaixo; e eles [seus inimigos], em todos os pecados que cometem, tendem mais e mais vir abaixo, até que sejam precipitados na destruição. Mas tudo indica que a alusão era a algo um pouco diferente. Um muro, quando mal construído, cria uma protuberância no centro, aparentando ser quase duas vezes sua altura real; ao formar, porém, uma concavidade, logo se transforma num monte de ruínas. Os perversos, de igual modo, se dilatam com a soberba e assumem, em suas maquinações, uma formidável aparência. Davi, porém, prediz que seriam conduzidos a uma inesperada e completa destruição, como um muro mal construído; e sua falta de consistência interior o faz cair com um súbito estrépito, e com seu peso se quebra em mil pedaços. A palavra que traduzi por uma sebe [cerca], significa propriamente uma cerca construída com materiais leves e de má qualidade, Estejamos certsos, por mais altaneiros nossos inimigos pareçam ser, e por mais soberbas e bombásticas sejam suas denúncias contra nós, serão súbita e estrondosamente destruídos, como um muro esmagado.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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“MINHA ALMA ESTÁ EM SILÊNCIO PERTO DE DEUS”


“MINHA ALMA ESTÁ EM SILÊNCIO PERTO DE DEUS”

“Apesar de tudo, minha alma está em silêncio perto de Deus; dele é minha salvação. Apesar de tudo, ele mesmo é minha rocha e minha salvação, minha torre alta; não serei grandemente abalado” (Sl 62.1,2).

Sabemos que o povo de Deus nem sempre pode atingir uma medida conveniente de compostura quando se vê totalmente sem distração. Desejariam receber a palavra do Senhor com submissão, bem como quedar-se mudo sob sua mão disciplinar; emoções desordenadas, porém, tomam posse de suas mentes e rompem aquela paz que, de outra forma, poderiam atingir no exercício da fé e resignação. Daí a impaciência que encontramos em muitos; impaciência esta a que dão vazão na presença de Deus e a qual lhes propicia ocasião para muitos problemas e inquietude. Devemos presumir que Davi enfrentava íntima e profunda luta e oposição, as quais ele cria ser necessário refrear. Satanás havia despertado forte tumulto em suas emoções e operado acentuado grau de impaciência em sua mente, o que ele agora coíbe; e expressa sua firme resolução de ficar em silêncio, indicando o oposto daquilo que inflama o espírito, o que nos poria numa postura de resistência a Deus. O silêncio aludido, em suma, equivale aquela submissão apaziguada do crente, no exercício da qual ele aquiesce com as promessas de Deus, dá lugar à sua palavra, se dobra à sua soberania e sufoca toda e qualquer murmuração interior de insatisfação que porventura exista.

O crente triunfa no encontro com uma tentação para logo enfrentar outra; e aqui Davi, que parecia ter emergido de sua angústia, mostra que teria que lutar com resíduo de dificuldades. A expressão no final do versículo - não serei grandemente abalado - implica sua persuasão de que poderia ser surpreendido por aflições (pois estava bem consciente de que não podia esperar isenção da comum sorte da humanidade), mas sua convicção, ao mesmo tempo, era que estas não o esmagariam ante o bom auxílio de Deus. Encontramos mais tarde o salmista dizendo, não com muitas palavras: não cairei; talvez porque sentia, enquanto prosseguia em oração, que tinha mais ousadia em menosprezar a aflição. A verdade, propriamente dita, é inquestionável. O crente pode ser vencido por algum tempo; mas, visto que ele não é humilhado por muito tempo sem que Deus o soerga novamente, não lhe seria possível dizer com propriedade cairei. Ele é sustentado pelo Espírito de Deus, e, portanto não permanece realmente prostrado e derrotado.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

“MARCAS QUE FICAM”


“MARCAS QUE FICAM

(Isaías 61.1-3)

Tempo de resgate de porções marcantes de nossa história. O início dos anos 1980 foi período de dias inesquecíveis e de muito crescimento para a Igreja Presbiteriana Betânia (Niterói/RJ). Meu pai, Pr. Antônio Elias, tendo completado setenta anos, foi jubilado, conforme previa naqueles dias a Constituição Presbiteriana. De Manaus, veio então para substituí-lo o jovem Pr. Caio Fábio Filho, que pastoreou a igreja de 1981 até o final de 1984, tendo outro jovem, Josué Rodrigues, como seu pastor auxiliar. Os cultos combinavam as pregações cheias de unção, paixão e grande eloquência do Pr. Caio com momentos sublimes de adoração e louvor dirigidos pelo Pr. Josué ao violão, sendo a maior parte dos louvores composições dele mesmo em parceira com o salmista Davi e outros autores bíblicos. A impressão era de que estávamos no céu. O templo pequeno, para pouco mais de cem pessoas, logo se tornou completamente insuficiente para acomodar a audiência dos cultos dos domingos e os de meio de semana. Passamos então para a nova sede, reunidos no ambiente da estrutura provisória do balão (ou tenda) que acomodava cerca de quinhentas pessoas. Foi também o tempo em que a Betânia se enriqueceu com as ministrações, na Escola Dominical, de irmãos que se tornariam grandes amigos, próximos até hoje, entre os quais os pastores Ziel Machado, Guilherme Kerr e Osmar Ludovico. Graças ao nosso bom Deus crescemos muito, continuamos com cultos no mesmo endereço, mas em novo e maravilhoso prédio. Enquanto isso, dia a dia, o Senhor tem acrescentado os que vão sendo salvos” (At 2.47).

Deus nos abençoe!

Pr. Téo Elias.

https://www.facebook.com/igrejabetaniasf

*Visite a Igreja Presbiteriana Betânia.
*Av. Rui Barbosa, 679 - São Francisco - Niterói(RJ).

Nederland Zingt op Opwekking (2024)

Nederland Zingt op Opwekking (2024)


“Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2.1-4).

Deus nos abençoe!


terça-feira, 13 de agosto de 2024

“OS QUAIS ENTREGUEI A SATANÁS”


OS QUAIS ENTREGUEI A SATANÁS 

E dentre esses se contam Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem” (1Tm 1.20).

O apóstolo Paulo fará novamente menção do primeiro desses dois homens na segunda epístola, e aí se faz evidente que gênero de naufrágio ocorreu, pois ele dizia que a ressurreição dos mortos era algo que pertencia ao passado. É possível que Alexandre também tenha se apaixonado por esse erro tão absurdo. Ao percebermos que nem mesmo um dos companheiros de Paulo escapou de perecer numa queda tão  medonha, porventura nos sentiremos surpresos se hoje Satanás, com seus multiformes encantamentos, seja capaz de iludir os homens? Ele menciona ambos esses homens a Timóteo como pessoas bem conhecidas dele. Não tenho dúvida de que esse é o mesmo Alexandre de quem Lucas faz menção em Atos 19.33, como sendo o homem que tentou, sem êxito, reprimir o tumulto em Éfeso. Ele era natural de Éfeso, e, como já dissemos, esta epístola foi escrita primordialmente em benefício dos efésios. Agora já sabemos qual foi o fim de Alexandre; e daqui devemos aprender a conservar a possessão de nossa fé através de uma boa consciência, para que a retenhamos até o fim.

Os quais entreguei a Satanás. Como realçamos em conexão com 1Coríntios 5.5, há quem considere esta frase como uma indicação da aplicação de algum castigo inusitado, e o conecta com os poderes, que Paulo menciona em 1Coríntios 12.28. Como os apóstolos foram dotados com o dom de cura em testemunho da graça e favor de Deus para com os santos, assim foram armados contra os ímpios e rebeldes com poder tanto para entregá-los ao diabo para que fossem atormentados como também para aplicar sobre eles algum outro castigo. Pedro nos deu um exemplo do exercício desse poder ao tratar com Ananias e Safira [At 5.11]; e Paulo, ao tratar com o mágico Barjesus [At 13.6].

Contudo prefiro interpretar esta frase no sentido de excomunhão, pois o ponto de vista que assevera que o homem incestuoso de Corinto recebeu algum outro gênero de castigo não é comprovado através de algum argumento consistente. E se foi por excomunhão que Paulo o entregou a Satanás, por que não deveria a mesma expressão ter o mesmo significado aqui? Visto que é na Igreja que Cristo mantém a sede de seu reino, do lado de fora da Igreja outra coisa não existe senão o domínio de Satanás. Portanto, aquele que é eliminado da Igreja, necessariamente cai, por algum tempo, sob a tirania de Satanás, até que se reconcilie com a Igreja e retorne a Cristo. Faço a seguinte exceção: em razão da enormidade da ofensa, é provável que Paulo tenha pronunciado perpétua excomunhão contra aqueles dois homens; todavia, sobre isso não me aventuro afazer uma asseveração específica.

Qual, porém, é o significado da última cláusula: para serem castigados, a fim de não mais blasfemarem? A pessoa que é expulsa da Igreja assume maior liberdade de ação para si, visto que ela não mais está sob a restrição de disciplina ordinária, e pode irromper-se com maior insolência. Minha resposta é que não importa o grau de perversidade a que se entreguem, as portas permanecerão fechadas para eles, a fim de que, por meio de seu exemplo, o rebanho não seja prejudicado. Porque o maior dano que os homens perversos podem causar é quando se infiltram no rebanho sob o pretexto de confessar a mesma fé. Portanto, o poder de fazer dano é tirado deles quando são marcados por infâmia pública, de sorte que ninguém seja tão simplório que ignore o fato de serem eles irreligiosos e detestáveis, e assim sejam banidos por todos de sua sociedade. Às vezes sucede que, sendo atingidos por tal estigma de infortúnio, eles mesmos se convertem de seus maus caminhos. Portanto, ainda que a excomunhão às vezes torna os homens ainda piores, nem sempre é de todo ineficaz para dominar sua impetuosidade.  

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba(PR).
Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário. 

“MANTENDO FÉ E BOA CONSCIÊNCIA”


“MANTENDO FÉ E BOA CONSCIÊNCIA” 

“Mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé” (1Tm 1.19).

Tomo a palavra “fé” num sentido geral, ou seja, de ensino sadio. É nesse sentido que o apóstolo Paulo usa o termo mais adiante, quando fala de “o mistério da fé” [3.9]. Essas são deveras as principais coisas requeridas de um mestre, ou seja, que seja um ministro de consciência íntegra e zelo equilibrado. Onde esses dois elementos se fazem presentes, o resto se sguirá dos mesmos.

O apóstolo mostra quão necessário se faz que uma consciência íntegra acompanhe a fé, pois o castigo de uma má consciência consiste no desvio da senda do dever. Aqueles que não servem a Deus com uma mente pura e honesta, mas se entregam às más disposições, ainda que tenham começado com uma mente equilibrada, no fim perdem-na completamente. Esta passagem deve receber cuidadosa ponderação. Sabemos que o tesouro da sã doutrina é inestimável, e nada há para se temer mais do que o risco de perdê-lo. Aqui, porém, Paulo nos diz que a única forma de conservá-lo é conservando-o com uma boa consciência. Por que é que tantos rejeitam o evangelho e se precipitam no seio das seitas ímpias ou se envolvem em erros monstruosos? É porque Deus pune os hipócritas com esse gênero de cegueira, justamente como, em contrapartida, um sincero temor de Deus nos injeta vigor para perseverarmos. Desse fato podemos aprender duas lições. Primeiramente, os mestres e ministros do evangelho, e através deles toda a Igreja, são advertidos sobre como muitos deles devem sentir repulsa por uma falsa e hipócrita profissão da verdadeira doutrina, visto ser a mesma castigada com extrema severidade. Em segundo lugar, esta passagem remove aquela debilidade que perturba a tantos, quando eles se deparam com alguns que uma vez professaram a Cristo e seu evangelho, não só retornando à suas superstições anteriores, mas, pior ainda, se deixam fascinar por erros monstruosos. Como por exemplo, Deus está publicamente vindicando a honra do evangelho e publicamente declarando que não pode suportar que o mesmo seja profanado. Isso é algo que se pode aprender da experiência da própria época, todos os erros que têm surgido na Igreja Cristã, desde seus primórdios, emanam dessa fonte: a cobiça e o egoísmo às vezes têm extinguido o genuíno temor de Deus. Daí a má consciência ser a mãe de todas as heresias, e hoje nos deparamos com um vasto número de pessoas que jamais abraçaram a fé com honestidade e sinceridade. E não só isso, mas também que o menosprezo por Deus se espalha por toda parte e as vidas licenciosas e depravadas de quase todas as classes humanas revelam que não resta no mundo senão uma minguada porção de integridade, de modo que há boas razões para temer-se que a luz que ficou acesa tão pronto se apague, e que Deus conserve num limitadíssimo número de pessoas o sadio entendimento do evangelho.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba(PR).
Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário. 

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

“O PRINCIPAL DOS PECADORES”


O PRINCIPAL DOS PECADORES

Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna” (1Tm 1.15,16).

O vocábulo, “pecadores”, é enfático. Mesmo aqueles que reconhecem que a obra de Cristo é salvar, admitem que é muito difícil crer que essa salvação pertença a pecadores. Nossa mente sempre se inclina a fixar-se em nossa própria dignidade; e assim que essa dignidade se concretiza, nossa confiança fracassa. Por isso, quanto mais uma pessoa sente o peso de seus pecados, mais deve, com maior coragem, recorrer a Cristo, confiando no que aqui é ensinado, ou seja, que ele veio trazer salvação, não aos justos, e, sim, aos pecadores. Também merece atenção que neste versículo Paulo baseia o que disse acerca de si próprio nesta verdade geral sobre a obra de Cristo, de modo que, o que acaba de dizer sobre si próprio, não pareça absurdo por ser algo inusitado.

Dos quais eu sou o principal. Não devemos imaginar que o apóstolo Paulo esteja, aqui, expressando uma falsa modéstia. Sua intenção era fazer confissão de que ele era não apenas humilde, mas expressar também uma verdade que fluísse do âmago de seu ser. Mas é possível que alguém pergunte por que ele se considera o principal dos pecadores, sendo que seu mal foi unicamente em relação à sua ignorância da sã doutrina, e quanto aos demais aspectos do viver era ele irrepreensível aos olhos humanos. Nestas palavras, porém, somos advertidos sobre quão grave e sério é o pecado da incredulidade aos olhos de Deus, especialmente quando seguido de obstinação e desenfreada crueldade. É fácil para os homens dissimularem o que Paulo confessou acerca de si próprio em decorrência de zelo irrefletido; mas Deus dá um valor tão elevado à obediência proveniente da fé, que não o deixa considerar como pecado de pouca monta a incredulidade obstinadamente renitente. Observemos com muita atenção o ensino desta passagem, ou seja, que um homem, que aos olhos do mundo poder ser não só irrepreensível, mas também extraordinariamente de excelentes virtudes e de uma vida merecedora de elogios, pode, não obstante, ser considerado um dos maiores pecadores por causa de sua oposição à doutrina do evangelho e à obstinação de sua incredulidade. Daqui podemos facilmente entender o valor que aos olhos de Deus têm todas as exibições de grande impacto dos hipócritas, enquanto, obstinadamente, resistem a Cristo.

Para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade. Ao dizer, "o principal", aqui, Paulo está uma vez mais dizendo que ele é o principal dos pecadores, de modo que o termo tem o mesmo sentido de principalmente, ou acima de todos. Ele quer dizer que desde o início Deus exibiu este exemplo de sua graça para que a mesma fosse contemplada clara e amplamente, de modo tal que ninguém alimentasse dúvida de que o único modo de se obter o perdão é indo a Cristo pela fé. Toda a nossa falta de confiança é removida quando vemos em Paulo um tipo visível daquela graça que buscamos. 

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

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Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário. 

domingo, 11 de agosto de 2024

“FIEL É A PALAVRA E DIGNA DE TODA ACEITAÇÃO”


FIEL É A PALAVRA E DIGNA DE TODA ACEITAÇÃO

Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1Tm 1.15).

Não satisfeito em haver defendido seu ministério da infâmia e das acusações, o apóstolo Paulo agora se volta para suas vantagens pessoais, as quais seus inimigos poderiam assacar contra ele ao modo de repressão. Demonstra ainda que foi proveitoso para a Igreja que ele tivesse sido o gênero de homem que fora antes de ser chamado para o apostolado, porque, ao conferir-lhe um penhor de sua graça, Cristo chamou a todos os pecadores a uma maravilhosa expectativa de obterem  eles [também] o perdão divino. Ao ser Paulo transformado de um animal feroz e selvagem em ministro e pastor, Cristo exibiu nele um extraordinário exemplo de sua graça, a qual transmitira a todos os homens uma segura confiança de que o acesso à salvação a ninguém é vetado, por mais graves e ultrajante sejam seus pecados.

Primeiramente, Paulo faz uma afirmação geral de que Cristo veio para salvar os pecadores, introduzindo-a à guisa de prefácio, segundo seu costume ao tratar de assuntos de suprema importância. Na doutrina de nossa religião, este é deveras o ponto primordial, ou seja: visto que por nós mesmos estamos perdidos, devemos ir a Cristo a fim de receber de suas mãos a nossa salvação. Pois ainda que Deus o Pai, mil vezes, nos ofereça a salvação em Cristo, e Cristo mesmo nos proclame sua própria obra salvífica, todavia não nos desvencilhamos da incerteza, ou, de algum modo, não cessamos de perguntar em nosso íntimo se realmente é verdade. Portanto, quando em nossa mente surge alguma dúvida sobre o perdão dos pecados, devemos aprender a repeli-la, usando como nosso escudo o fato de que ela é verdadeira e segura, e portanto deve ser recebida sem qualquer contestação ou hesitação.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba(PR).
Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário. 

“E A GRAÇA DE NOSSO SENHOR TRANSBORDOU”


“E A GRAÇA DE NOSSO SENHOR TRANSBORDOU”

“E a graça de nosso Senhor transbordou excessivamente com fé e amor que há em Cristo Jesus” (1Tm 1.14).

Uma vez mais o apóstolo Paulo magnifica a graça divina em seu favor, não só com o intuito de testificar de sua própria gratidão, mas também para defender-se contra as calúnias de seus inimigos maliciosos, cujo propósito era denegrir seu apostolado. Pois quando diz que a graça “transbordou”, aliás, “transbordou excessivamente”, sua intenção é que a lembrança do passado foi apagada e tão completamente absorvida, que praticamente não lhe resultava de forma alguma desvantajoso que os demais homens, em favor de quem se manifestara a graça, fossem homens bons.

Com fé e amor. É possível tomar ambas as palavras como uma referência a Deus, de modo que o sentido seria que Deus se revelou fiel e deu demonstração de seu amor em Cristo, ao conceder ao apóstolo sua graça. Prefiro, porém, uma interpretação mais simples, à luz do qual a fé e o amor são sinais ou testemunho da graça que ele já mencionara, para que não imaginassem que ele se vangloriasse desnecessariamente ou sem justa razão. A fé é o oposto da incredulidade na qual anteriormente vivera e o amor em Cristo é o oposto da crueldade que uma vez demostrara para com os crentes, como se Paulo quisesse dizer que Deus o havia transformado de tal maneira que agora era um homem diferente e novo. E assim, por meio de seus sinais e efeitos, ele enaltece a excelência da graça a ele conferida, a qual haveria de fazer desaparecer todas as lembranças de sua vida pregressa.

Deus nos abençoe!

João Calvino (1509-1564).

*Visite a Igreja Presbiteriana Silva Jardim - Curitiba(PR).
Av. Silva Jardim, 4155 – Seminário.