“A PALAVRA DE SALVAÇÃO” - Parte 3
“E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino.
E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc
23.42,43).
3. Aqui vemos o sentido do arrependimento e da fé.
O
arrependimento pode ser considerado sob vários aspectos. Ele inclui em seu significado
e escopo uma mudança da mente acerca de, um desgosto por e um abandono do
pecado. Todavia, há mais do que isso. Realmente, o arrependimento é a percepção
de nossa condição perdida, é a descoberta de nossa ruína, é o julgamento de nós
mesmos, é a confissão de nossa situação perdida. Não é tanto um processo
intelectual, mas a consciência ativa na presença de Deus. E isso é exatamente o
que achamos aqui no caso do ladrão. Primeiro ele diz ao seu companheiro: “Tu
nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação?” (Lucas 23.40). Pouco
tempo antes sua voz estivera confundida com a daqueles que estavam
vilipendiando o Salvador. Mas o Espírito Santo estivera em ação sobre ele e,
agora, sua consciência fica ativa na presença de Deus. Não disse ele: “Tu nem
ainda temes o castigo”, mas: “Tu nem ainda temes a Deus?” Ele compreende
Deus como sendo juiz.
E então, em
segundo lugar, ele acrescenta: “E nós, na verdade, com justiça, porque recebemos
o que os nossos feitos mereciam” (Lc 23.41). Aqui vemo-lo reconhecendo
sua culpa e a justiça de sua condenação. Ele pronuncia sentença contra si mesmo.
Ele não se desculpa e não tenta atenuar nada. Ele reconheceu que era um transgressor,
e que, enquanto tal, ele merecia plenamente a punição por seus pecados, sim,
que a morte lhe era devida. Você teve essa posição diante de Deus, meu leitor? Confessou
abertamente a ele seus pecados? Já sentenciou a si mesmo e a seus caminhos?
Está pronto para reconhecer que a morte é o que você merece? Suavize
você o seu pecado ou prevarique acerca dele, estará impedindo a sua própria
entrada a Cristo. Ele veio ao mundo para salvar pecadores — pecadores
confessos, pecadores que realmente tomaram o lugar de pecadores diante
de Deus, pecadores que estão cônscios de que estão perdidos e
arruinados.
O
“arrependimento para com Deus” do ladrão foi acompanhado da “fé em nosso Senhor
Jesus”. 34 Ao contemplar sua fé notamos primeiro que ela foi uma fé de
cabeça inteligente. Nos parágrafos iniciais do presente capítulo chamamos a
atenção para a soberania de Deus e sua graça irresistível e vitoriosa que foram
exibidas na conversão desse ladrão. Agora nos voltaremos a um outro lado da
verdade, igualmente necessário de nele se insistir, um lado que não é
contraditório com o que dissemos anteriormente, mas antes complementar e
suplementar. A Escritura não ensina que, se Deus elegeu uma certa alma para ser
salva, tal pessoa será salva independente dela vir a crer ou não. Essa é
uma conclusão falsa tirada por aqueles que rejeitam a verdade. Não, a escritura
ensina que o mesmo Deus que predestinou o fim também predestinou os meios. O
Deus que decretou a salvação do ladrão agonizante cumpriu seu decreto
dando a ele fé com a qual crer. Isso é o claro ensinamento de 2Tessalonincenses 2.13: “Deus
vos escolheu desde o princípio para a santificação do espírito e a fé na
verdade”.
É justamente
isso que vemos aqui em conexão com esse ladrão. Ele teve “fé na verdade”. Sua
fé se apossou da palavra de Deus. Sobre a cruz estava a inscrição: “Este é Jesus,
o Rei dos Judeus”. Pilatos a havia colocado ali por mofa. Porém, ainda assim
era a verdade, e após ele tê-la escrito, Deus não permitiria a ele que a
alterasse. A tabuleta que portava essa inscrição havia sido carregada na frente
de Cristo pelas ruas de Jerusalém e no lugar da crucificação, e o ladrão a
lera, e a graça e o poder divinos tinham abertos os olhos de seu entendimento
para ver que ela era verdadeira. Sua fé apanhou o sentido do reinado de Cristo,
daí mencionar “quando entrares no teu reino”. A fé repousa sempre na
palavra escrita de Deus.
Antes que um
homem creia que Jesus é o Cristo, deve ter o testemunho diante dele de que ele
é o Cristo. A distinção é frequentemente feita entre a fé da cabeça e a fé do coração,
e isso com propriedade, pois a distinção é real, e vital. Algumas vezes a fé da
cabeça é desvalorizada, mas isso é tolice. Deve haver essa antes que possa
haver aquela. Temos de crer intelectualmente antes que possamos crer salvificamente
no Senhor Jesus. Prova disso é vista em conexão com os pagãos: eles não têm
fé alguma de cabeça e, por conseguinte, não têm fé nenhuma de coração.
Prontamente admitimos que a fé de cabeça não salvará a menos que seja
acompanhada pela fé do coração, mas insistimos que não há nada da segunda a
menos que antes tenha havido a primeira. Como podem crer naquele a
respeito de quem não ouviram? Verdade, pode-se crer acerca dele sem crer
nele, mas não se pode crer nele sem primeiro crer acerca dele. Assim o
foi com o ladrão agonizante. Com toda probabilidade ele nunca vira Cristo antes
do dia da sua morte, mas vira a inscrição testificando o seu reinado e o
Espírito Santo usou isso como a base de sua fé. Dizemos então que essa foi uma
fé inteligente: primeiro, uma de tipo intelectual, o crer no testemunho escrito
apresentado a ele; segundo, uma fé de coração, o descansar confiadamente em
Cristo mesmo como o Salvador dos pecadores.
Sim, esse
ladrão que agonizava exerceu uma fé de coração que descansou salvificamente
em Cristo. Tentaremos ser muito simples aqui. Um homem pode ter fé de cabeça
no Senhor Jesus e estar perdido. Um homem pode crer acerca do Cristo histórico e
não estar nada melhor por causa disso, tal como não o está por crer acerca do Napoleão
histórico. Leitor, você pode crer tudo acerca do Salvador — sua vida
perfeita, sua morte sacrifical, sua ressurreição vitoriosa, sua ascensão
gloriosa, seu retorno prometido — mas deve fazer mais do que isso. A fé
evangélica é uma fé confiante. A fé salvífica é mais que uma opinião
correta ou uma linha de raciocínio. A fé salvífica transcende a toda
razão. Veja o ladrão agonizante! Era razoável que Cristo o notasse? Um
assaltante crucificado, um criminoso confesso, alguém que há poucos minutos
atrás o estivera insultando! Era razoável que o Salvador devesse reparar
de qualquer forma nele? Era razoável esperar que ele fosse ser
transportado da beira do inferno mesmo para o Paraíso? Ah, meu leitor, a cabeça
raciocina, mas o coração não. E a petição desse homem veio do coração.
Ele não tinha como usar suas mãos e pés (e não eram eles necessários à
salvação: antes, a impediam), mas tinha o uso de seu coração e língua. Esses
estavam livres para crer e confessar: “Visto que com o coração se crê para a justiça,
e com a boca se faz confissão para a salvação” (Rm 10.10).
Podemos
reparar também que a sua fé era uma fé humilde. Ele orou com conveniente
modéstia. Não foi “Senhor, honra-me”, nem “Senhor, exalta-me”, mas Senhor, se
tu quiseres, pense em mim! Se tu somente contemplasses a mim — “Senhor, lembra-te
de mim”. E, todavia, aquela palavra “lembra-te” era maravilhosamente
perfeita e apropriada. Ele poderia ter dito: Perdoa-me, Salva-me,
Abençoa-me; mas “lembra-te” incluía todas essas. Um interesse no coração de
Cristo incluirá um interesse em todos os seus benefícios! Além disso, tal
palavra era bem adequada à condição de quem a expressou. Ele foi um
proscrito da sociedade — quem se lembraria dele! O público não pensaria
mais nada a respeito dele. Seus amigos ficariam contentes por esquecer dele por
haver desgraçado sua família. Mas há um a quem ele ousa confiar essa petição — “Senhor,
lembra-te de mim”.
Finalmente,
podemos notar que a sua fé era uma fé corajosa. Talvez não pareça à primeira
vista, mas uma pequena consideração tornará isso claro. Aquele que estava pendurado
na cruz do centro era um de quem todos viravam a cara para não olhar e para quem
toda a vil zombaria de uma turba vulgar era direcionada. Toda facção daquele povo
se juntou para escarnecer do Salvador. Mateus nos diz que “os que passavam blasfemavam
dele” e que “da mesma maneira também os príncipes dos sacerdotes, com os
escribas, e anciãos”. Enquanto Lucas nos informa que “também os soldados o escarneciam”
(Lc 23.36). Portanto, é fácil entender por que os ladrões também se juntaram ao
alarido de sarcasmos. Não há dúvidas de que os sacerdotes e escribas sorrissem benignamente
sobre eles enquanto assim agiam. Mas, subitamente, houve uma mudança. O ladrão
penitente, em vez de continuar a troçar e ridicularizar Cristo, volta-se para o
seu companheiro e abertamente o censura, nos ouvidos dos espectadores ajuntados
em redor das cruzes, clamando: “este nenhum mal fez”. Desse modo, ele condenou
toda a nação judaica! Mais ainda; não somente testemunhou da inocência de Cristo,
mas também confessou o reinado dele. E assim, de um só golpe, ele se retira do favor
de seu companheiro e da multidão também! Falamos hoje da coragem necessária
para abertamente testemunhar de Cristo, mas tal coragem nesses dias se desbota
em expressa insignificância perante àquela mostrada naquele dia pelo ladrão
agonizante.
Deus nos abençoe!
Arthur W. Pink (1886-1952).
*Faça-nos uma oferta (Pix 083.620.762-91).
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