“DEUS MEU, DEUS MEU, POR QUE ME DESAMPARASTE?”
“E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli,
lama sabactani; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46).
1. Aqui vemos
a enormidade do pecado e o caráter de seu salário.
O Senhor Jesus
foi crucificado ao meio-dia, e na luz do Calvário tudo foi revelado em seu
verdadeiro caráter. Ali, a própria natureza das coisas foi plena e finalmente
exibida. A depravação do coração humano — seu ódio por Deus, sua ingratidão
abjeta, seu amor às trevas no lugar da luz, sua preferência por um assassino no
lugar do Príncipe da vida — foi horrivelmente mostrada. O terrível caráter do
diabo — sua hostilidade contra Deus, sua insaciável inimizade contra Cristo,
seu poder de pôr no coração do homem a traição ao Salvador — foi plenamente
exposta. Assim, também, as perfeições da natureza divina — a inefável santidade
de Deus, sua justiça inflexível, sua ira terrível, sua graça sem par — foi de
todo conhecida. E ali também foi que o pecado — sua vileza, sua torpeza, sua
não sujeição a leis — foi claramente exibido. Aqui nós vemos a horrenda
extensão a que o pecado chegará. Em sua primeira manifestação ele tomou a forma
de suicídio, pois Adão destruiu sua própria vida espiritual; em seguida o vemos
atingido, com o deicídio — o homem crucificando o Filho de Deus.
Porém, não
apenas vemos a hediondez do pecado na cruz, mas ali também descobrimos o
caráter de seu horrível pecado. “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). A
morte é a herança do pecado. “Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que
todos pecaram” (Rm 5.12). Não houvesse pecado nenhum, não haveria morte alguma.
Mas o que é “morte”? É aquele pavoroso silêncio que reina supremo após se dar o
último fôlego e o corpo ficar sem movimentos? É aquela cadavérica palidez que
vem sobre a face quando o sangue cessa de circular e os olhos ficam sem expressão?
Sim, é isso, mas muito mais. Algo de longe mais patético e trágico do que a
dissolução física está contido no termo.
O salário do
pecado é a morte espiritual. O pecado separa de Deus, que é a fonte de toda vida.
Isso foi manifestado no Éden. Antes da Queda, Adão desfrutava de bendita companhia
com seu Criador, mas na própria véspera daquele dia que marcou a entrada do
pecado em nosso mundo, enquanto o Senhor Deus entrava no Jardim e sua voz era ouvida
por nossos primeiros pais, o par culpado escondeu-se entre as árvores do
lugar. Não mais poderiam eles gozar de comunhão com ele que é sempre Luz,
antes, ficaram alienados dele. Assim, também, se deu com Caim: quando
interrogado pelo Senhor ele disse: “Da tua face me esconderei” (Gn
4.14). O pecado exclui da presença de Deus. Essa foi a grande lição ensinada a
Israel. O trono de Deus estava no meio deles, todavia não era mais acessível.
Ele habitava entre os querubins no santo dos santos e a esse ninguém poderia
chegar, com exceção do sumo sacerdote, e ele, apenas um dia por ano, levando
sangue consigo. O véu pendurado tanto no tabernáculo quanto no templo, vedando
o acesso ao trono divino, testemunhava o solene fato de que o pecado separa dele.
O salário do
pecado é a morte, não somente física, mas espiritual; não meramente natural
mas, essencialmente, morte penal. O que é morte física? É a separação da
alma e do espírito do corpo. Assim, a morte penal é a separação da alma e do
espírito de Deus. A palavra da verdade fala daquela que vive em prazer como
“embora viva, está morta” (1Tm 5.6). Repare, ainda, como a maravilhosa
parábola do filho pródigo ilustra a força do termo “morte”. Após o retorno do
pródigo o pai disse: “Este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se
perdido, e foi achado” (Lc 15.24). Enquanto ele estava na “terra longínqua”,
não havia cessado de existir; não, ele não estava morto fisicamente, mas
espiritualmente — estava alienado e separado de seu pai!
Agora, na
cruz, o Senhor Jesus estava recebendo o salário que era devido por seu povo. Ele
não tinha pecado algum que fosse seu, pois era o Santo de Deus. Mas estava levando
nossos pecados em seu próprio corpo no madeiro (1Pd 2.24). Ele tinha tomado o
nosso lugar e estava padecendo o Justo pelo injusto. Ele estava carregando o
castigo que nos traz a paz; e o salário de nossos pecados, o sofrimento e
castigo que era devido a nós, era “morte”. Não meramente física, mas penal; e,
como dissemos, isso significava separação de Deus, e daí o Salvador ter
clamado: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
Assim, também,
será com aquele que for impenitente até o fim. O pavoroso destino que aguarda o
perdido é, dessa forma, exposto: “os quais sofrerão, como castigo, a perdição eterna,
banidos da face do senhor e da glória do seu poder” (2Ts 1.9). Separação eterna
daquele que é a fonte de todo bem e a origem de toda bênção. Ao ímpio, Cristo dirá:
“Apartai-vos de mim, malditos” — banimento de sua presença, um eterno exílio de
Deus, é o que espera o condenado eternamente. Essa é a razão por que o Lago de Fogo
— a eterna morada daqueles cujos nomes não estão escritos no livro da vida — é designada
“A Segunda Morte” (Ap 20.14). Não que haverá extinção do ser, mas separação
eterna do Senhor da Vida, uma separação a qual Cristo sofreu por três horas enquanto
estava pendurado no lugar do pecador. Na cruz, então, Cristo recebeu o salário do
pecado.
Deus nos abençoe!
Arthur W. Pink (1886-1952).
*Faça-nos uma oferta (Pix 083.620.762-91).
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